Tudo misturado...

Ler a vergonha do poder Ler a vergonha
Visão, 17.01.2008, pp. 75 e 76


Duas ressalvas, antes de começar este artigo.

1ª - O título é, como terão oportunidade de ler, dúbio. E já o explicaremos.

2ª - As imagens, retiradas de um artigo da Visão, censuram partes. Aqui apenas se mostram 2 das 8 páginas que o compõem. Quem censura, filtra, selecciona. E foi o que fizemos, ocultando aspectos mencionados em partes que não surgem.

Feita a ressalva importante, aqui ficam umas breves palavrinhas para este estrondo de notícia, que não é notícia em si, mas que o é pela temática em que foi tratada, a do racismo.

Para isso vamos voltar, então, à primeira ressalva, ao primeiro ponto.


Este caso - não, não foi falado na televisão. E só soubemos por esta via - é um exemplo perfeito, acabadíssimo, de que o que se inscreve no espaço, neste caso em termos humanos / sociais, não é casuístico. Ou seja, as coisas não surgem à sorte. Há sempre razões por trás. Mesmo que sejam, noutros casos (e muitos há por aí), razões para explicar o caos e o desordenamento.

Este caso junta, num só (qual anúncio a um produto milagroso), o jogo do poder, o desordenamento, a desigualdade e a segregação sociais e económicas. Fantástico, não é?


Aqueles que, como nós, defendem um mundo mais equilibrado, pensado, ordenado, têm de estar também do lado dos que defendem um mundo mais justo, livre e igualitário. Não há destrinça possível.

Apenas gostaria de ressalvar mais uma coisinha, que soará a anedota.

O vereador da Acção Social da Câmara de Pombal (onde se dá este caso) profere, às tantas, o seguinte (e cito o texto):
"Mas quando a Visão lhe recordou que esses cem metros implicam atravessar uma das mais perigosas estradas do país (e ao ver três mulheres a fazê-lo, em corrida e com crianças ao colo, para irem às compras) o autarca garantiu que esse problema será resolvido"

E ATENÇÃO AO QUE ELE DISSE:

- Vamos colocar uma vedação para que ninguém passe.


Pronto. Não me saem mais comentários.

Mas lembra-me aquela situação (não sei se estão lembrados...) em que Rumsfeld disse mal dos que tinham tirado fotos a cenas de tortura em Abu Grahib. Ou seja, o problema foi de quem denunciou as torturas, não de quem torturou. Que em última instância, soubemo-lo há dias por um documentário que a 2: passou, foi o próprio Rumsfeld, ao ter permitido tais técnicas... (para sacar informações, tal como se fazia por cá em 24 de Abril...)

Bem, então está explicado.

Leiam o artigo.
Já.

Comentários

Anónimo disse…
Eu sou de Pombal e, até agora, nunca vi um cigano a atravessar aquela estrada. Já não é a primeira vez que este assunto é abordado na comunicação social, mas quem não é de cá se calhar não entende bem o que se passa. A foto do atravessar a estrada parece-me até uma daquelas de encomenda. Vão lá para a estrada que nós tiramos a foto. Antes de terem as novas casas, para irem ao mesmo supermercado, atravessavam a linha do caminho de ferro e nunca os vi queixarem-se. Os elementos dessa comunidade passeiam-se pela cidade em bons carros, alguns mesmo de luxo, e chegam a pagar rendas abaixo dos 5 euros. É esta a justiça social que temos no país e gostava que quem escreve estas reportagens também abordasse. Além disso, este não é o único bairro social que existe na cidade. O outro está bem no centro, junto das escolas, e nele vivem ciganos e não ciganos. Nunca se fala disso nessas reportagens. Pensando bem em toda esta situação, há mesmo quem seja discriminado em Portugal. No caso dos ciganos são discriminados positivamente. Também não dizem na reportagem que há ciganos que viviam em apartamentos, junto com a população da comunidade não cigana, e os próprios preferiram sair de suas casas para irem viver para o bairro. Se tudo fosse mau como pintam, fariam mesmo isso... E quando falam em integração, querem mesmo ser integrados. Perguntem-lhes!
Anónimo disse…
Era interessante a Visão fazer uma reportagem que poderia chamar-se : "Do que vive a comunidade Cigana?". Acho que é um bom tema para uma reportagem.
Os ciganos de POmbal são muito bem tratados, prova disso são os dois bairros existentes na cidade (um fora e outro dentro). Concordo com o coment anterior: a foto é nitidamente de encomenda. Nunca vi os ciganos a atravessar o IC2. Aliás não existe essa necessidade.
Anónimo disse…
Há muitos cidadãos no nosso país que deviam organizar uma manifestação e exigir também casas novas com rendas de baixo custo... isto é uma injustiça tremenda. Quem paga impostos tem direitos "0", quem não paga impostos tem tudo de borla porque "coitadinhos" não podem ser discriminados...
Edward Soja disse…
Anónimo 1:

Se a realidade não é como a pintam, ainda bem que estás cá para poder dar mais uma versão, para que estejamos mais próximos da verdade verificável.

Admito que o artigo queira (como sempre querem quando querem demonstrar uma tese ou fazer-nos pensar de determinada forma) dar uma visão parcial das coisas, mas continuo a achar escandalosa a forma como o poder se exerce, por parte de quem, com que meios e com que objectivos. Isso foi o que quisemos destacar com este artigo.

Anónimo 2:

Sim, seria um bom estudo, com certeza. Mas não deixo de entrever um certo ar paternal nessa afirmação.

Anónimo 3:

Achamos que a discriminação não deve ser conseguida (e não é) com medidas como essa. O pagamento de impostos deve abarcar toda a gente.
Não deve importar quem. O quem só interessa para avaliar quanto devem pagar uns e outros. Ou seja, e para que não fiquem dúvidas, quanto à minha forma de entender: quem ganha mais, paga mais; quem ganha menos, paga menos; e, quem não ganha, não paga.

Não vejo nada polémico nisto. Mas sabemos que há quem defenda até o contrário. São interesses e valores. E as nossas posições também ajudam a escolher quais mais nos convêm.

Agora, se quisermos discutir as fontes de rendimento deste ou de outro grupo de população, e se a lei está a ser consoantemente aplicada, isso já são outras questões.

Obrigado pelos comentários.
Rogeriomad disse…
A segragação social é muito complicada de se resolver. Aliás, não se resolve... porque ninguém quer ou porque ninguém se sente capaz para tal...

Só para ilustrar de que forma os ciganos estão segregados da sociedade...
Eu pergunto: Quantos amigos ciganos temos?
Eu não tenho nenhum...

Para seguir o que o anónimo 3 disse... há muitos anos atrás tentaram realojar os ciganos de Quarteira em apartamentos... ao que parece, segundo a voz do povo (nunca confirmei o boato), eles aceitaram o realojamento e passado um mês colocaram os apartamentos alugar... e voltaram para as tendas/barracas...
Bem... Isto, não se trata de raça/cultura... pois eu faria o mesmo na situação deles...

Foi apenas um episódio que não queria deixar de contar!

Outro episódio... mais recente...

Estava eu desempregado e fui a uma sessão do IEFP... para traçar o meu perfil profissional... no seio do grupo encontrava-se um jovem rapaz de étnia cigana...
21 anos, 4ª classe, Casado, Pai de dois filhos...
Queria emprego imediato pois tinha 4 bocas para alimentar.
Vira-se a técnica do IEFP:
"Jovem, proponho-te que faças um curso de dois/tres anos em jardinagem para que possas ficar com o 9º ano... e só depois poderás pensar em emprego."
Responde o jovem:
"Alguma vez vou estudar dois anos? E quem paga o transporte? e quem me alimenta os filhos?"
Técnica:
"Jovem se nao quiseres aquilo que te ofereço... vai apanhar tomates para Espanha, que está na época deles..." (Atenção foi verdade, não estou a brincar).
Jovem:
"Oh! Oh! Então vou a Lisboa... vou buscar um carregamento como da outra vez e será assim que me vou safar na vida..."

Não me perguntem que carregamento seria aquele... ficamos todos com um ponto de ? na cabeça...

Em relação a essa situação em Pombal, desconheço a verdade...
Mas se for verdade, a situação é ridícula...
Há quem coloque passagens superiores em tudo o que é canto...
Em Pombal vão vedar toda a estrada pelos vistos...
Cada um faz o pode com a imaginação que tem...
Anónimo disse…
Sr. Eduardo,

Agradeço-lhe o facto de ter respondido ao meu coment. Outros teriam ignorado por ser anónimo...
Continuo a achar que em Pombal os ciganos são bem tratados. com jeitinho (:))até compreendo que ficaram um pouco mas afastados do centro da cidade, mas tendo em conta as barracas em que estavam e os apartamentos de luxo (isto é verdade) em que vivem agora, é de uma enorme injustiça vir criticar a CMP que já tem sido tão criticada exactamente por favorecer a comunidade cigana...

Também sei que nalguns países os Ciganos têm uma espécie de Leis protectoras que lhes permitem um determinado estilo de vida (refiro-me à Suiça), diferente do "normal", mas também sei que têm um comportamento diferente do que acontece aqui em Portugal...

CPTS
Anónimo disse…
Sobre o tal desordenamento do território expresso neste Bairro Social, e que ninguém ainda falou aqui. Ora para que o bairro fosse construído a CMPombal, alterou o PDM na zona (REN / Leito de cheia), aterrou o local, subindo-o 3metros em relação ao perfil original. Assim quando vier nova cheia no Rio Arunca (e que são impressionantes!!!), este enche para o outro lado, ou seja, para a zona industrial, ficando os ciganos a seco.

Faz-se tudo neste país e nesta terra ainda mais!!!!

PS: Convido-o a visitar esta cidade, munido de máq. fotográfica. Venha ver com os seus olhos o desordenamento de Pombal!!!
Edward Soja disse…
Amigo Palumbar,
não conheço a situação das cheias em Pombal.
Com certeza que poderás responder-me, que eu não sei, se antes de essa alteração ao PDM e ao aterro, a zona industrial costumava já ser inundada?

Obrigado e até já.
Anónimo disse…
Sim, já sofria inundações.

Cumps
Edward Soja disse…
Pois, o que acontece agora é que, devido à intervenção no terreno numa das margens, elevando-o a outra cota, a zona industrial sofre mais com as correntes.

É um processo provocado pelos decisores do espaço. Dependem de interesses e valores, como é óbvio.
Das consequências só costumamos queixar-nos quando as causas se dão.

Ainda há dias, li no jornal que nas margens do Tejo foi aprovada a construção de uns estaleiros (acho...). Andamos nisto. E o espaço vital, natural, dos rios perde-se em nome da economia.

Sempre a economia...
Devem ser esses os valores que mais alto se erguem...
Edward Soja disse…
Ah, esqueci-me.
A antiguidade ou a "novidade" das implantações (construções disto ou daquilo), quando se localizam em terrenos sujeitos a "contrariedades", não justifica nem autoriza nada.

Se está em leito de cheia, deve ser retirado de lá. Sejam populações, sejam complexos industriais.

As coisas têm de ser (já não digo "mais bem", mas apenas: ) pensadas.
Anónimo disse…
boas,

quem for de pombal saberá certamente que existe um ainda maior número de cidadãos (na ordem das centenas) numa certa zona da cidade que tem de passar essa mesma IC2 para ir ao centro da cidade! antes de serem feitas as casas aos "lordes" não deveria ter sido feita uma ponte aqui para os "pretos"??? é reclamada há muito tempo mesmo... mas nada! eu cá continuo, há 23 anos que a passo!

assim se vive no país dos criminosos que não vão para prisão, daqueles que se preocupam com minorias enquanto vivem maiorias numa MERDA total, politicos de carreira e muita mais merda!
Edward Soja disse…
Caro anónimo,
queres especificar ao que te referes?
(porque não pertenço aos bons entendedores.)

Obrigado

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