Psicogeografia ou ...

Por onde vão passando, os meus olhos tentam ler / descortinar / interpretar / analisar / decifrar / descodificar o que a eles se mostra. Todos os objectos contêm história, razões de ser e de estar, porquê assim e não de outras maneiras...

A paisagem é constituída por criptossistemas que nos ensinam muito sobre o que há à nossa volta, no tempo e no espaço. E as cidades são fantásticas salas de aula. Se nos esforçarmos por ser alunos, claro. Somos todos professores e alunos.

A psicogeografia é o estudo dos efeitos do entorno no comportamento e sensações do indivíduo (definição aproximada da primeira, por
Ratzel, ou mais tarde, pelos Situacionistas). Partindo desta interessante ideia, julgo estabelecer - bem - a relação entre bem-estar, a atractividade sentidos por um transeunte num dado espaço e os elementos que nele se manifestam.

Uma vez aludi um pouco a este assunto (ver
aqui) e penso que o meu interesse se vai renovando à medida que vou flanando por ruas já familiares e outras não tanto, ou de todo.

Pensemos no seguinte exemplo (e logo demonstrarei aonde pretendo chegar):
Um lugar de passagem (ou
Não-lugar, segundo Augé) numa rua pedestre num espaço degradado (A) e uma vivenda de luxo (B). Atentemos estas duas "entidades" quanto às cores (outros factores sensíveis podem ser analisados, claro. Por exemplo, o som é também muito elucidativo para a leitura da paisagem...):

A apresenta-nos algum lixo no chão, papel de parede com anúncios publicitários, casas abandonadas, pombas e os seus nunca remunerados serviços de pintura minimalista (olhem, em Braga há exemplos de sobra...), etc.
B apresenta-nos, se preciso for, com um jardim com relvado e piscina, talvez um campo de ténis, rodeado (o jardim) por uma fronteira arbórea (cedros, normal e pobremente). A casa pode ser de tons pastel, uma porta vermelha ou castanha, etc.

Assim imaginado (penso que ambos os casos se verificam por aí) reparemos no contraste de cores:
Para o espaço A (e se for em Braga) temos muitas cores, fragmentadas, numa miscelânia repulsiva ou indiferente (na publicidade), sob um pano geral acinzentado (granito) e esverdeado (casas a servir de moradia às pombas).
No espaço B, espaço - repete-se - de estar, as cores vivas dos elementos naturais (no jardim), mistos (água da piscina ou campo de ténis) dão outro ar à coisa. E a quem por lá esteja.

Não em jeito de conclusão, pois essas são sempre insatisfatórias, apetece-me dizer algo que soará como a velha "lógica da batata": espaços degradados tendem a causar sensação de repulsa. Daí serem, muitas vezes, não-lugares. Em relação aos outros, e como temos de nos sentir bem onde moramos, evitamos ao máximo que se tornem naqueles. Salvo se formos pombas.
Também a economia (isto também não é novo) produz espaços diversos e, por consequência, sensações distintas.

Enfim, Psicogeografia ou psicose de ver Geografia em todo o lado?
Mas afinal o que não é a Geografia?

Comentários

Vidal disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Vidal disse…
Estou seguro, que no caso português, entre outros, alguns destes assuntos e "modelos" possam (também a alguns) afigurar-se desconhecidos ou estranhos. Todavia, no mundo anglo-saxónico, a geografia da percepção, a noção de "espacialidade", ou de Não-lugar, são parte integrante (há 30 anos) e normalizada de apoio e estudo.
por isso este debate se torna tão importante!
Rogeriomad disse…
Para começar digo que quero ler esse livro "Não lugares" de Marc Augé... quem me empresta?

Depois propunha que alguém disponibilizasse uma pequena bibliografia sobre geografia da percepção...

Tenho muito a ler sobre isso... e parece-me fascinante...
Vidal disse…
No passado sábado, nem de propósito, passou na RTP2 o filme “Querido diário” de Nanni Moretti. Na primeira parte do diário (e do filme), o narrador, viaja, flanando, de vespa por Roma no verão, a sua Roma, ou o que pensava dela…
As Geografias Humanas, deste, vivenciadas ou imaginadas confundem-se na tela, repartindo-a coma as mudanças físicas, os bairos ricos e pobres, os guettos (reais e a as “imagens” de outros) e o simbolismo dos espaços e lugares. Culmina, essa primeira parte, no lugar (sítio) do assassinato de Pasolini (realizador, escritor e poeta) ocorrido nos anos 1970, verdadeiro repositório de simbolismos variados e sobrepostos, hoje enclausurado no seu significado e na próprio espaço, em constate crescimento. Fabuloso.
dr. uranio disse…
Somos um grupo que pratica a Deriva e estuda a Psicogeografia essencialmente no Porto. Embora não tenha lido o livro "Não lugares" de Marc Augé (folhei uns anos atrás a versão em inglês) a noção que me ficou de não-lugar é a de espaços institucionais que embora vazios, não nos permitem o seu uso livre. Tais como jardins das estações de gasolina das auto-estradas, parques de estacionamento do Mcdonalds e outros fantasmas urbanos afins. O exemplo da moradia para as pombas como repulsa não será o mais correcto pois muitos dos espaços que o nosso grupo encontrou eram casas abandonadas transformadas (mesmo que temporariamente) em arquitectura por pessoas que inventaram vontade e meios para as reconstruir por não terem outras possibilidades. O exercício da Deriva rompe com o medo de conhecer o espaço estranho. Difícilmente se romperia com a fronteira da vivenda de luxo, não será este o lugar repulsivo (de propriedade rica), o que não nos permite praticar a psicogeografia. Como diriam os situacionistas: "Contra a topofobia, criaremos a topofilia!"
Se quiserem consultar algumas das nossas derivas ou anotações psicogeograficas podem ver o nosso blog: hirudroid.blogspot.com/search/label/psicogeografia
http://hirudroid.blogspot.com/search/label/deriva
Edward Soja disse…
Caro dr. uranio,

a ideia que menciona de não-lugares como sendo espaços vazios de fruição limitada é correcta (segundo a minha interpretação da ideia do autor).
O exemplo dos jardins das estações de serviço nas A-Es é paradigmático disso.
Também o é o local de espera (e já não só os de passagem, como insisto num outro artigo), como a paragem do autocarro, o cais ou o banco do aeroporto (este último também mencionado por Augé...)

No meu artigo, a referência à repulsa ou atração dos lugares não significa necessariamente que os mesmos impeçam o seu aproveitamento e a criação de experiências de vida.

No fundo, pretendia, com a extensão do termo "não-lugares" a lugares como os apresentados nas fotos do vosso blogue, dizer que tais sensações se reflectem na memória de cada um, existindo ou não para uso futuro.

Queria terminar com um exemplo de não-lugar que abunda muito por aí. Hão-de reparar no esmagamento provocado pelo tamanho dos viadutos quando temos de passar por baixo de um e os pontos de partida e de chegada estão muito afastados, não havendo nada de permeio senão estrada. Esse espaço está lá, mas como podemos nós vivenciá-lo, enquanto peões? E mesmo enquanto automobilistas?

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