Coimbra: próxima paragem
Coimbra B: Estação velha. “Tem que ir até Coimbra A, no centro”, presume-se, então que no centro é a estação nova(?). Não Parece. Desde o início da década de 1990 que a distinção me faz pasmo. E continua. Mas eu não continuo a ir a Coimbra. Ou vou muito pouco, raramente mesmo e, das últimas vezes, por motivos de doença de pessoa conhecida. Despojei-me de Coimbra. Lambi as feridas, voltei, fui não sei onde e voltei.
Coimbra foi a minha geografia humana durante uns bons cinco anos. Base de partida para outras descobertas e assim continuou mesmo quando já lá não vivia. Mas tudo isso foi há muito tempo, tanto que ainda existia o “Abismo” perto do Norton de Matos e o “Moçambique” panque na Praça da República, onde eu comecei a rasgar as calças e passei com distinção nas viagens pendulares ao WC. A “minha” Coimbra era pequenina, a das repúblicas (algumas), das viagens intermináveis, dos desvarios previsíveis, das tasquisses mundanas; não era a Coimbra académica, era a estudantil sim, mas a Coimbra dos coimbrões (não são forricas, não!), estava lá a estudar como se estivesse a trabalhar e era de “lá”, como todos os outros.
Lá aprendi a beber absinto, genebra, martini gin e a deambular mesmo sentado numa esplanada. Lançavam-se (literalmente) fanzines para a rua, escavacavam-se argumentos entre “facções” nas mesas de café. O Carlinhos velhote despia-se num happening/perfomativo (hoje em voga) de rua e vendíamos todos os fanzines.
Em Coimbra os empregados de mesa eram companheiros de mesa, da noite e da serventia, se necessário fosse. Os empregados tinham nome. E alguns eram amigos. Em Coimbra aprendi a beber absinto com favas estufadas às cinco da manhã e, de certa forma aprendi a amar, ou desaprendi, já não recordo bem. Era a Coimbra da “cave das químicas” com concertos e festas fabulosas, da “States”, dos Tédio e do tédio, das iscas de fígado ao fim da noite no “mija cão” ao som dos Nirvana; da Venda do Sr. João que era do Belenenses e na qual não se podia dizer palavrões. A minha geografia Coimbrã carrego-a tatuada no corpo e confunde-se-me, por vezes, com a alma.
Durou pouco, um, dois anos, antes da mordaça pós-moderna enlatar-nos os dias. Apenas ficou algum refugo dos anos “loucos” da década de 1970/80. Depois veio o teatro, mais no café que no palco; os esquerdismos balofos e de fancaria e um conservadorismo sem lastro. O casario da alta e da baixa, antigo, velhote, digno, por vezes taciturno, outras alegrete foi-se tornando decrépito e sujo. A cidade, ainda mais, se enquistou na colina sagrada. Uma caricatura de si própria. Pior: cada vez mais parecida com “outras”.
Este é o primeiro de uma série de artigos sobre a (minha) geografia de Coimbra.
Comentários
Aguardo os restantes artigos...
Pode demorar, mas há-de desabar. Um pouco como os centros de todas as nossas cidades...