A dívida do Krakatoa

I


"O Grito", de Munch
(imagem via Wikipédia)


A história é conhecida...

Alto lá!... Algo ser conhecido depende de quem conhece.

- Pronto..., posso continuar?
- Claro, mas corrige lá a frase, que eu fico a ver.

A história é conhecida, MAS vamos contá-la para quem ainda não a conhece.

(a censura deu o seu aval; posso, então, continuar? Está bem assim, ou é preciso mudar alguma coisa?)

No dia 27 de Agosto de 1883, na ilha de Krakatoa (uma das mais de 17 mil que constituem o Estado da Indonésia), um violento vulcão entrou em erupção.
Segundo a Wikipédia (clique, claque), a ilha quase desapareceu, tal foi a força da explosão. A mais violenta, aliás, de que "o homem moderno" (não me perguntem o que querem dizer com "moderno"...) tem conhecimento.

Impactos / consequências da dita, dura:
a) uma, já a enunciámos: a ilha onde estava o vulcão ficou irreconhecível (por quem a conhecia, claro).
b) se lá alguém esteve (e esteve...) para a ouvir (à explosão), ficou surdo. (num raio de 15 quilómetros, calculam. Não me perguntem como, ou se há registos / testemunhos).
c) .... (mais de 36 mil mortos humanos, causadas sobretudo pela consequência abaixo) (as outras espécies não estavam recenseadas... se bem que mencionem que a diversidade da vegetação foi "ao ar" com a erupção...)
d) maremotos cujas ondas chegaram a atingir 40 metros de altura e que chegaram a ser sentidas na Europa (isto é, mesmo com as Américas pelo meio a servir de "amortecedor"...)
e) no ar: as cinzas vulcânicas foram expelidas até uma altura de (calculam, também...) 27 mil metros.


"No ano seguinte à explosão, a temperatura média da Terra caiu até um máximo de 1.2 °C (2.2 °F). A "normalidade" foi restabelecida apenas quatro anos depois (1888).

[Vamos lá decompor isto que aconteceu]:

-A erupção introduziu grandes quantidades de dióxido sulfúrico na alta estratosfera que foi depois transportada pelos ventos à volta do planeta.
--Isto levou a um aumento da concentração de ácido sulfúrico nos cirros.
---Isto levou a um aumento do albedo das nuvens (já aqui falámos do albedo) que
----fez com que houvesse maior reflexão da luz solar que o habitual, que, por sua vez,
-----fez com que o planeta arrefecesse até o enxofre ter caído sob forma de chuvas ácidas."

(tradução da entrada em Inglês)


Edvard Munch [isto é só para compreendermos que a arte pode / deve estar / está (intimamente ou não) ligada ao tempo e ao espaço], disse que "de repente, o céu ficou vermelho".
O seu conhecido quadro "O Grito", reproduzido acima, data de 1893.



II


Aos quinhentistas (não os de hoje, não os que têm isso como salário mensal) que navegaram altos mares (mares porreiros, pá!: "Eia!, Alto mar, pá!"...) e foram expandir a "civilização" europeia, cristã, a povos nunca "dantes explorados", apontam-nos como sendo os pioneiros da globalização.
Levaram - e isto é importante - o ímpeto colonial e comercial nas veias: dominar povos, para explorar recursos que seriam depois enviados para as ditas metrópoles. Fossem esses recursos canela ou homens com cor de canela. Era igual. Desde que se pudessem vender...

Estamos a falar da globalização. Portanto, a globalização económica.
Que mais não é outro nome para a expansão global dos princípios orientadores de um sistema que dá pelo nome tão giro e insípido e sem mácula de capitalismo.

Os princípios orientadores do capitalismo são a acumulação de capital.
Sempre mais e mais.
Através do lucro. Daquela maquia que se "cria" do ar quando acrescentamos um intermediário que transformou ou não o produto (e que transportou ou não o produto) até chegar ao consumidor final.
(E será o consumidor final, final, de facto? Chegaremos, como com o questionamento da "ordem divina", ao começo de "tudo", subindo na escala da pirâmide, a ver se descortinamos a origem das coisas? Ah, Lavoisier, Lavoisier... que só te deixam andar pelo Beco da Desmemória...)

Sim, globalização. Económica, portanto.
Globalização. Outro nome bem inventado, não acham?
Os francófonos optam por "Mundialização".

Deixemo-nos de querelas linguísticas.
Antes delas, uma outra, escondida - e de que cada vez mais estamos cientes - unia os povos do mundo.
Se me dão licença (que tenho tanta autoridade como qualquer comunicador), vou chamar-lhe:

Planetarização

A "planetarização" é um termo referente à Terra, (anterior ao Homem, portanto), baseia-se em alguns princípios:
a) o devir;
b) a tendência para o equilíbrio (seja através da isostasia, da eustasia, ou de quaisquer outras entropias ou "nivelamentos universais" não-humanos); e
c) a luta pela permanência da vida.

(deve haver mais princípios, mas acho que são basicamente estes.
Agradeço sugestões e pensamentos de mais.)

Convém dizer que sendo o devir o que é, por sua própria natureza, a tendência para o equilíbrio nunca é atingida.
Convêm também dizer que no ciclo da natureza, a vida - que pretende manter-se pelo tempo e pelo espaço - tem em si a morte.

"You know the day destroys the night
Night divides the day..."

(assim são as primeiras frases do primeiro álbum dos Doors..
ah!... Jim...
Quanta sabedoria, a dos poetas.

- Sublinhados provocadores...!)


A planetarização diz-nos que tudo na Terra está relacionado. Não se trata de defender que a Terra é um sistema fechado, porque não é. E a luz do sol faria logo cair por... terra essa teoria.
A planetarização diz-nos que todos fazemos parte do mesmo planeta. Sim, somos diferentes. Da diversidade que permite a Vida (e esta, mais ou menos precária consoante aquela. E vice-versa).

Na natureza, uns processos influenciam outros, uns são causa outros consequência, numa relação de dependência necessária (mas diferentes graus de "parentesco", por assim dizer).
"Na natureza, nada se cria, nada se destrói: tudo se transforma."
Não foi isso que te ensinaram?
Ai não te ensinaram?!?

A evolução tecnológica do Homem e a acção do Homem como modelador da paisagem, como criador do seu destino ("Deus é uma criação do Homem, o contrário está por provar", compartilhava-nos o Serge Gainsbourg), levou-nos à globalização (com as caravelas quinhentistas... embora já antes os nórdicos e os chineses tivessem velejado por aí... parece...!), trouxe-nos a expansão do capitalismo e das suas consequências.
Vou ater-me a consequências ambientais negativas da globalização: a criação, aqui e ali, de espaços degradados, a destruição de habitats e suportes de vida (terra, ar, água).

A extinção de espécies (e as animais são as mais notadas...) deriva de retirarmos condições para a vida e criatividade para a vida (dessas espécies) subsistir aí.
Não é "subsistir aí e nesse tempo", pois extinção é extinção. Ponto final.
Kaput? Fim.
Não há mais.
Sabemos o que quer dizer?
Não, não é tu ou eu morrermos. É tu seres um homem, não haver mais nenhum homem no planeta e morreres. Percebes?
Isto não te preocupa?

Já tiraste o teu bilhete.
Agora espera na fila, se fazes o favor.


A tua vez está a chegar, Homenzinho.

Porque a tua subsistência, a permanência da tua vida, depende (dissemo-lo acima) de outras vidas e suportes (i.e., orgânicos e inorgânicos, da química e da física de que dispões na natureza).

Os processos destrutivos que tens vindo a criar, aqui e ali, desde essa tua megera que o capitalismo criou para te masturbar (falo da chamada "Revolução Industrial") estão há muito tempo a somar-se. Estão a tornar-se, lenta e surdamente, processos cumulativos.

Só há uma Terra.
Uma.
Só.
Só uma.
Terra.

Tu estás nela.
O que lhe infligires virar-se-á contra ti mais cedo ou mais tarde.
E olha que é cada vez menos cedo para ser tarde...


III


Os meios de transporte mais rápidos são aqueles que mais contrariam o atrito.
Um caracol põe-se a milhas bem depois de um gato.
O que distingue estes dois seres? A capacidade de locomoção, que se baseia nas suas perninhas ou músculos.

Um foguetão vai à lua bem mais rapidamente que um comboio.
Sim, é verdade que um comboio não vai à lua.
Mas também é verdade que um foguetão não pára em todos os apeadeiros...

Das esferas da Terra (biosfera, litosfera, atmosfera, hidrosfera....), uma - salta à vista - parece ser "mais lenta" que as outras. Qual é ela? A litosfera. As rochas.
Mas...
Convém dizer que as areias (ou sedimentos) estão a ser transportadas pela água (as águas do Amazonas têm uma cor diferente das águas do mar, não têm?) e pelo ar (tempestades no deserto, já ouviram falar?)
Convém dizer que os blocos erráticos são-no por causa dos glaciares (por exemplo, o Poio do Judeu).

Estas deslocações de elementos da natureza (daquelas esferas acima enunciadas) implicam maior ou menor energia.
A água, a dos mares, a dos rios, a das chuvas, desloca-se, move-se pelas forças da gravidade e da variação da temperatura.
Grandes nuvens que se avizinham nos céus, que se avolumam e tornam espessas, carregadas, cinzentas...
- grande acumulação de energia...
O raio!
O trovão!
Enxurradas de água que cai "a cântaros" nas carecas dos homenzinhos que vão trabalhar, a compasso e de malinha na mão...

Chegados a este ponto
Repescamos o que dissemos aqui:



"
Só para relativizar um bocadinho, apetece-me dizer que o tempo de residência da água é:

- de algumas horas, nas células vivas;
- de cerca de 16 dias, nos rios;
- de 8 dias, no ar;
- de 1 ano, no solo;
- de 17 anos, nos lagos de água doce;
- de 1400 anos, nos mares interiores;
- de 1600 a 9700 anos, nos glaciares;
e
- de cerca de 2500, nos oceanos.

O que querem dizer estes números e o que quero eu dizer com tudo isto?
Em primeiro lugar, aqueles números querem dizer que a água, como elemento móvel, tem o seu ritmo.
"

Fim de citação.
Vamos agora à quarta parte, muito lógica e fulminante, desta divagação reflexiva.


IV

Será que ainda não aprendemos nada?

"O sistema educacional [- que pertence a estas estruturas, do capitalismo, que visam o lucro e a permanência num mundo infinito, que não existe; que pretende produzir, portanto, o imobilismo, o "fim da história" - ] tem minado a nossa criatividade e pensamento da mesma forma que nós destruímos e minamos a Terra em busca dos recursos. Para sua própria comodidade.
E no futuro isso de nada nos servirá."
Ken Robinson [adaptado]

Temos de repensar a forma como nos relacionamos uns com os outros e com a Terra.
É inútil pensarmos que somos uma forma superior de vida. (superior é um termo relativo. Retiremos-lhe as formas ditas "inferiores" de vida que logo essa ideia cai no vazio.) - NÓS NÃO EXISTIMOS SEM AS OUTRAS FORMAS DE VIDA NEM SEM OS SEUS SUPORTES NATURAIS.

Estamos a ir mal.
Estamos a ir mal há demasiado tempo.


Depois destes anos todos de estragos, não devemos nada ao Krakatoa?
Ao que ele nos ensinou?


Salvar Fukushima?
O Japão??

(ler notícia, não suficientemente tóxica...)


A radioactividade vai espalhar-se. Esta e outras.
Não há solução humana para as consequências do nuclear.
Os resíduos e a poluição ou se evitam (dizendo não ao nuclear, INTRANSIGENTEMENTE), ou se espalham (mais cedo ou mais tarde, porque os riscos estão sempre lá).



"Se todos os insectos desaparecessem da Terra,
em 50 anos toda a vida na Terra desapareceria.
Se todos os seres humanos desaparecessem da Terra,
em 50 anos todas as formas de vida se desenvolveriam."


Este homem, este homenzinho, está para a Natureza como a fé para a evolução da Humanidade.
O homem capitalista representa um retrocesso.
É anti-natura.
Auto-destrutivo.

O tempo, sob os grilhões da fé no monetarismo, está parado.
O tempo da criatividade e da evolução tem estado a ser emperrado pelo próprio Homem.
O Homem é que está parado, é uma peça de museu que ainda não olhou à sua volta para tomar consciência do seu lugar,
Este Homem está fossilizado, indiferente ao que a Natureza o obriga cada vez mais a aprender.
E ele recusa-se a aprender.
Eis que, por isso mesmo, o tempo do Homem está em contagem decrescente.

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