Geo-interesses (inc. Grécia 67*). Actuais.

Se não gritares bem alto, ainda podes ser enterrado vivo.

Provérbio helénico.



Tem de ser-se grego para se sentir que o significado da palavra "Europa" é algo mais do que um ponto de referência geográfica, que a palavra "Europa" implica progresso, beleza, magnificência. Diz-se: «Vou para a Europa», quando o destino é a Inglaterra, a França, a Suíça ou qualquer outro país do continente, livre e rico, que não a Espanha, a Polónia ou a Checoslováquia - estes serão referidos pelo seu próprio nome, pois nenhum país europeu sujeito a qualquer jugo se pode considerar pertencente à «Europa».

Eleni Vlachou


Se "interesse" é, etimologicamente, inter+est, "o que está no meio", então, a quem age por interesse interessa (passe a expressão) mais o que está no meio que o objectivo que com ele se alcança.
Passando, por consequência automática, este meio a ser o fim da acção.

Isto será, portanto, a tradução suprema do modelo económico que nos esmaga, que faz dos seres humanos um pedaço de carne para matar a fome dos fazendeiros do mundo.

Quando a Polónia entrou para a UE, o ex-presidente da Assembleia, na altura ministro, Jaime Gama, disse, sem qualquer indício de tom (é coisa que se infere) algo semelhante a:

- Agora o país tem de criar legislação para se "alistar" nos princípios da UE.

(Soa bem, não soa?
Sim, mas talvez soe diferentemente para quem está e não está, ou, melhor, para quem quer estar e quem não quer estar na UE.)

Quando Timor Leste foi reconhecido (atentem bem na subserviência que sempre implica este "ser reconhecido"), o senhor Koffi Annan foi captado numa fotografia com um ar que me está a fazer lembrar aquele ar do general quando lhe morreu a mulher no filme "A Casa dos Espíritos".
E quem já pôde ver o filme saberá a que me refiro, se souber o que esse general depois fez.

Bem, se calhar não é isso.

O que me parece é que aos olhos de quem representa o Poder, a entrada de mais umas quantas ovelhas na sua cerca se constitui, sob a falsa ou até autêntica capa da democracia e do Direito Internacional, como mais uma forma de esfolar e escravizar povos para os manter ao serviço dos países "do centro": os também conhecidos por "países do primeiro mundo", "Europa", "Países civilizados", "nações avançadas", e demais nomenclaturas do poder e do exercício linguístico do poder.

Quando em 21 de Abril de 1967, na Grécia se deu um golpe militar que suspendeu os artigos 5, 6 , 8, 10, 11, 12, 14, 18 e 95 da Constituição (não sabemos ao certo o que diziam, mas, já por si, não augura boa coisa...), pensou-se, inferindo-se, que se os estadunidenses ainda não tinham intervindo é porque estavam com os generais. O motivo invocado pelos coronéis era a "ameaça comunista", da qual não havia o menor vislumbre. Mas, com textos e pretextos, lá se vão lavando os contextos. 
Ou "com papas e bolos se apanham os tolos". 
Ou ainda, por outras palavras "Com papas e religião nos engana o burlão".


Mapa daqui


Aviso à população:



"É expressamente proibida a circulação de peões e veículos. Toda a gente deve regressar imediatamente a suas casas. Qualquer indivíduo encontrado na rua depois do sol posto será morto a tiro sem aviso prévio."



"- É verdade que os Americanos estavam ressentidos com [o rei] Constantino?

- A direcção que os Gregos imprimiram à crise no Chipre irritou-os profundamente. Há pelo menos oito anos que os Americanos esperam fazer da Chipre grega uma grande base da OTAN: um porta-aviões insubmergível no seio de um Médio Oriente em chamas. Mas os Turcos impediram-no e os gregos de Chipre perderam a oportunidade. Percebe agora por que razão Constantino queria desembaraçar-se dos «coronéis» e agir como homem forte? Todavia, há quem sustente que desta vez por trás do rei estariam os Ingleses, mais do que os Americanos.

- Admitamos que os «coronéis» voltem as costas aos Americanos. Durante quanto tempo pode o exército grego subsistir sem o auxílio americano?

- Poucos meses. Os Gregos dependem totalmente da OTAN. Bastaria que os Americanos acabassem com as substituições (de armas e de meios de transporte) para que no espaço de dois meses ficassem inactivas as forças gregas, desde os aviões aos carros de combate. Funcionariam apenas as espingardas e, talvez, os canhões. Em toda a Grécia existe apenas uma oficina para carros de combate. Por outro lado, se a América pusesse alternativa à Grécia abriria um vazio na OTAN: um fosso entre a Itália e a Turquia, com a frota russa a navegar no Mediterrâneo. Nem pensar nisso."

Ainda estão a tentar fazer com que a Turquia entre para a UE.
Do mesmo modo que nós alimentamos prazenteiramente a galinha. Porque a vamos comer.

Do mesmo modo que, num movimento vivo e revolucionário, os mantedores da ordem e do status quo logo querem saber quem é a cabeça que por ali anda a "agitar as águas" tão agradavelmente podres em que se movem os porcos do poder.

"Dizei-me quem manda que é para eu saber em quem tenho de mandar."



Somos todos gregos, diria o Nixon.
E o Kennedy, mais o Kissinger, mais o Netanyahu, o Sharon, mais o Gama, mais o Barroso (Duráo, para os amigos), mais todos os lacaios do poder que os foda a todos.

Continuamos todos do mesmo lado.
A Europa, tal como devíamos entendê-la, foi arrastada para o Sul, sem que o Sul tivesse ido para o Norte, onde supostamente está o centro do poder, que é o que define (tem definido) a "Europa".

Talvez a Europa, sob o unilateral jugo económico, com o Homem a penar (dentro e fora desses limites que o Poder considera a Europa), se tenha engolido a si própria. 
E talvez seja por isso que não sabemos muito bem onde estamos agora. E não há ninguém para apontar o caminho, pois estamos todos dentro da gruta.
Já não somos filhos da luta.


Estamos cansados, sem forças, vencidos. Bem sabemos no que está a pensar: em Creta, terra dos orgulhosos e dos indomáveis, berço da liberdade. Em Creta, pátria do escritor Nikos Kazantzakis, que quis que inscrevessem no seu túmulo:

«Não acredito em nada.
Não espero nada.
Sou livre.»

Pois bem: nestes dias, Creta nem pestanejou.



Quem nos fez assim?


* Os excertos a itálico  foram extraídos do Caderno 4 "Grécia 67'", conjunto de textos e notícias, por vários autores (jornalistas e homens das artes), sobre a situação grega. Editado em 1968, pela Dom Quixote.

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