Comparação do dia...
"Enquanto se governar do mesmo modo do que na Turquia e enquanto perdurarem na Bósnia as circunstâncias actuais, não há lugar nem para estradas nem para comunicação. Ao contrário, e por motivos muito diferentes, tanto os turcos como os cristãos estão contra qualquer nova construção ou manutenção das vias de comunicação. Hoje mesmo tive a oportunidade de o constatar claramente durante a conversa que mantive com o meu amigo, o gordo pároco de Dolac, frei Ivo. Queixei-me de como é íngreme e cheio de rodeiras o caminho entre Dolac e Travnik, dizendo-lhe que me admirava por os habitantes da povoação não fazerem nada para o arranjarem minimamente, já que são obrigados a percorrê-lo todos os dias. O frade primeiro olhou-me com ironia, como se eu fosse uma pessoa que não soubesse do que estava a falar, depois, manhoso, piscou-me um olho e disse cochichando:
- Senhor, quanto pior a estrada, menos frequentes são as visitas turcas. O que mais gostaríamos era de podermos colocar, entre nós e eles, uma montanha intransitável. E, no que a nós se refere, esforçamo-nos para percorrer qualquer caminho quando é preciso, pois estamos habituados a que sejam maus e a todo o tipo de ruindade. Na realidade, vivemos das dificuldades e, não diga a ninguém o que lhe vou dizer, mas ouça: saiba que enquanto forem os turcos a governar em Travnik, não precisamos de melhores caminhos. E, aqui entre nós, quando os turcos o arranjam, o nosso povo espera pelas chuvas ou pela neve para o esburacar e escavacar. Isso, até certo ponto, pode acabar por dissuadir os hóspedes indesejáveis.
Só quando acabou de falar, o pároco abriu de novo o olho que mantinha piscado e, orgulhoso da sua esperteza, voltou a pedir que não contasse aquilo a ninguém. É esta uma das razões por que os caminhos não prestam. Outra das razões reside nos próprios turcos. Qualquer das vias de comunicação com o mundo cristão significa para eles abrir portas à influência inimiga e à possibilidade de estas exercerem supremacia sobre a arraia, ameaçando assim o domínio turco. Além disso, senhor Daville, nós, os franceses, acabámos de engolir metade da Europa e não é de estranhar que os países que ainda não dominamos olhem com desconfiança as estradas que o nosso exército está a construir nas suas fronteiras."
"A Crónica de Travnik", Ivo Andric, Ed. Cavalo de Ferro, 2008, pp. 75-76
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