Os Livros Vão Morrer

Setembro de 1966

Todos os autores de ficção científica condenam, no futuro, o livro.
Desde a gravação à leitura telepática - são diversos os processos de superação previstos. Esta coincidência na condenação do livro, ele próprio - cadernos de papel impressos e cosidos - é, desde logo, impressionante. Júlio Verne, esse, acertava sempre. Nem é necessária muita imaginação para compreender que o livro, tal como é, neste momento, não terá um século de vida. Porque há uma desconexão entre a sua estrutura física e o progresso técnico geral. Porque há uma dilatação e uma ofensiva eficaz por parte de outros meios de comunicação - o cinema, a televisão.

A morte do livro não será, naturalmente, a morte do escritor. Melhor, do criador que há nele. Ele será, ainda o autor da gravação, o narrador telepático. Mas, ainda que assim seja, a morte do livro deve ser encarada, não somente do ponto de vista técnico, industrial, comercial, editorial, mas também do ponto de vista criativo.

Por este aniquilamento são e não são responsáveis os escritores. São responsáveis pela rapidez da morte do livro - porque não souberam ampliar, nem sequer manter, o interesse dos leitores. Se é verdade que esse interesse foi captado por outras solicitações, suportado por meios económicos extremamente poderosos, se é verdade que a liberdade do livro está, em algumas áreas, condicionada - também é verdade que o escritor não soube adaptar-se, em clareza, em velocidade, em maleabilidade, às novas condições.

O livro tem os dias contados. Já não se trata de fazer subsistir o livro, mas de estabelecer, através dele, uma ponte, uma preparação, um treino, para outras formas de comunicação e divulgação cultural. O escritor, antes de o ser, é fautor de cultura. Ver-se-á, depois, a diferença entre os literatos e os homens cultos. O livro, com um passado tão ilustre, e, ao que parece, com um futuro tão precário, será, se insistirem nele, elemento anti-cultural. E se o escritor não o admitir e não se preparar a tempo, começando a alterar o livro na sua estrutura física, na sua linguagem, estabelecendo a ponte, a sobrevivência da cultura será muito mais penosa.

Os jornais, as revistas, as foto-novelas, os "comics", na sua dilatação e na sua eficácia, apontam um caminho. Esse caminho está já a ser trilhado pela pedagogia mais progressiva: os livros de ensino são, cada vez mais, colecções de imagens legendadas, os cursos são, cada vez mais, a análise de filmes, a audição de discos.

Desde logo, e isto seguramente, a imagem vai invadir o livro. Por exemplo, o romance poderá converter-se em foto-novela. Aliás, para as camadas de público cada vez mais largas, já se converteu. A baixa qualidade geral das foto-novelas actuais não nega a potencialidade do género, assim como a baixa qualidade dos romances não nega a ficção.

Naturalmente, o livro vai resistir mais tempo nas estruturas sócio-económicas regressivas. Isto será assim, embora o livro, fautor de progresso, inteligência, cultura, tenha, nessas estruturas regressivas, provado, mais do que em quaisquer outras, a sua ineficácia. Para tornar activa e funcional a sua inteligência, o livro deveria realizar, precisamente nessas estruturas regressivas, um supremo esforço de superação.

De maneira que, segundo parece, por exigência do futuro, e por necessidade do próprio presente, o livro tem de enxertar, em si, o futuro.

A morte do livro não é a morte da inteligância. Em "Farenheit", Bradbury identifica o livro com cultura. Mas se o fundamental é preservar, e dilatar, essa inteligência, essa cultura, e se o livro se revela ineficaz, há que substituí-lo. A televisão ou os "comics" não são, em si, regressivos. Eles devem ser considerados, e usados, como meios de comunicação e tanto mais valiosos quanto mais servirem a cultura. Se o fazem, de uma forma mais funda, mais estética, mais eficaz - têm direito à sobrevivência, ao nosso apoio. E, assim, o livro não merecerá a nossa saudade.

O livro não vai ser eliminado amanhã. A evolução será acidentada. O livro ilustrado, a foto-novela, o livro com gravações, o livro com slides, o livro com filmes, e, daí, a passagem ao cinema e à televisão a cores, em relevo, até à palavra visível - serão, possivelmente, algumas das etapas.

Para já, e para cá, seria necessário que os escritores tomassem consciência de quanto estão a ser inúteis, na generalidade, e que os editores tivessem conhecimento de que a mediocridade da sua indústria e do seu comércio se deve, na generalidade, à sua incompetência e à sua absoluta falta de visão.


Artur Portela (filho)
in "A Funda - 1º Volume"
Moraes Editores, 1ª edição, 1972, Lisboa, pp.211-213

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