Rotas da Tortura e da Memória
Ontem, na 2:, no programa Sociedade Civil, estiveram a debater a questão da memória e da nossa relação com a ditadura salazarenta que nos oprimiu e privou durante 48 anos. Isto, a propósito do Movimento Não Apaguem a Memória.
Como disse Fernando Rosas, a memória é um processo de construção social, que se faz no PRESENTE. A memória do passado constrói-se HOJE.
Portugal, sobretudo Lisboa, foi palco dos mais memoráveis acontecimentos da nossa história recente. Onde exactamente, perguntamo-nos? Por aí...
Em praças e ruas da cidade.
- Quem não viu já aquela gente toda em alegria, aqueles "sete rios de multidão", como canta o Zé Mário, a descer a Rua do Alecrim logo nos primeiros dias da revolução? Hoje em dia, passam carros. E se a memória não estiver nas pessoas, essa atenção não poderá ser dada à via.
- A praça do Carmo, na qual se foram refugiar os diversos governantes em fuga, uma praça repleta de gente, naquele dia maravilhoso. Hoje, está cheia de carros. Construídos todos eles após esse dia. Qual a memória do principal palco da revolução para quem lá passa?
Na sede de Lisboa da PIDE, na rua António Maria Cardoso, estão a construir um empreendimento de luxo. Foi esse o motivo por que o Movimento Não Apaguem a Memória se criou. Há dias, o mesmo enviou uma carta aberta ao Parlamento a reivindicar o papel do Estado no seu dever de preservar a memória.
A democracia não pode ser indiferente à história que a possibilitou. Por isso, o dever da memória é um dos deveres do Estado democrático.
Toda a memória tem de ter uma manifestação física. As praças e os edifícios estão - ou estavam - ali, ou algures, mais ou menos por estas ou aquelas bandas.
Um condomínio de luxo é o carimbo paradigmático dos poderes que nos regem: o poder económico e particular toma conta do espaço colectivo, sem que ninguém o detenha. Perde-se a memória. Limpa-se o horrendo lugar. Limpa-se a negritude, as coisas más por que passámos.
Um dia, a PIDE será considerada a melhor e mais zelosa polícia que os portugueses tiveram. Tal como Salazar foi algures considerado um bom governante, pacato, modesto, simples e inofensivo.
Fernando Rosas, Rúben de Carvalho e Nuno Teotónio Pereira disseram que António Costa e Cavaco Silva aceitaram a proposta de criar em Lisboa um itinerário dos palcos dessa e de outras histórias. E com a criação de um museu da polícia política não se pretende enclausurar a memória num espaço para poucos. Daí a importância daqueles itinerários. Por onde as pessoas normalmente passam, nos seus trajectos quotidianos.
Claro, os espaços dos acontecimentos não se limitam à capital.
Pátio do Forte de Peniche - Fonte: Arte Photographica
Eu nunca estive em Auschwitz. Nem tenho qualquer desejo mórbido. Mas aconselho ao leitor uma visita a Peniche, à prisão onde alguns morreram e muitos sofreram. Lá, além do museu etnográfico, está instalado o museu da resistência. E vai ver coisas inimagináveis. Não me refiro só aos sinais das atrocidades lá cometidas, mas a coisas espantosas que os presos conseguiram fazer.
Aproveitando a sugestão do programa, faça uma viagem à memória. E traga um pouco dela para sua casa. Consigo.
Comentários
É muito triste ver, por exemplo, que o vencedor de "Os Grandes Portugueses" (independentemente do valor que se possa dar a este programa)tenha sido o nosso frouxo ex-ditador, o Sr. António de Oliveira Salazar.
Desculpem lá os uploads das musicas, foi sem intenção.
Abraço.