A metafísica da agregação das freguesias

Vem sempre tarde ou a más horas.
A discussão não é pertinente, a coisa mais premente, "há questões bem mais importantes a tratar, por exemplo, o desemprego."

O despropósito da reforma administrativa manifesta-se em manifestações, associações e solidariedade, reivindicações identitárias, apelos à história.
Bem mais grave que isso, é - claro está, que é disso que se trata - a transferência dos poderes e dos órgãos de decisão ou, melhor, dos institutos e centros de apoio às populações.
Que vivem ali.
E não noutro sítio.

Por exemplo, por haver zonas demograficamente pouco densas,

(aquilo a que os nossos jornalistas e os nossos governantes, quais deles os primeiros papagaios: isto é, quem reproduz a imprecisão geográfica: desertificação difere, e muito, de despovoamento...pronto, esta não íamos deixar passar no branqueamento habitual da estupidificação)

- um tribunal, 
- um centro de saúde, 
- uma repartição de finanças, 
- um centro de dia

e outros instrumentos de apoio social que não dependem - nem necessariamente, nem devem, de todo - do intuito lucrativo que está a destruir tudo o que é colectivo

fecham e transferem-se, em nome da racionalização de recursos, ou da chamada reorganização austera e sinistra (mas, no caso, feita pela direita) em tempos de escassez de meios (e excesso de cabeças bem-pensantes), para áreas...
(aha! lá está!)
... mais povoadas.

Em suma, quando estes organismos passam 
- sim, adivinharam! - 
a ter um comportamento de implantação ou de organização geográfica idêntica a empresas.
Pois, com o lucro.
Em nome da poupança, que é disso que se trata, no fim de todas as contas orçamentais.

Isso são as implicações directas.
Isto são as dificuldades acrescidas que as agregações de freguesias trazem para quem vive nelas.
E não é pouco.

Os hiper-nomes (em tempos de já tudo dito, feito, misturado e deslavado) das paróquias assim daí paridas são mais um folclore de pouca ou nenhuma montaria.
Por exemplo, o concelho com mais freguesias no país, Barcelos, (89 freguesias) dará à luz a linda menina de nome "União das Freguesias de Barcelos, Vila Boa e Vila Frescainha (São Pedro e São Martinho), como podemos ver nesta proposta.
Barcelos já teve mais que aquelas 89.
Não é engraçado?

Vá, deixemos isso para depois.


Na era das comunicações virtualizadas,
- a mãe a chamar o filho pelo feicebuque para ir jantar,
- o amigo a enviar uma mensagem à moça da fila da frente, 
- o amante de futebol a ler as estatísticas da época da equipa húngara de Zalaergeszeg, 
- acordar às 7h da manhã e ler as notícias no La Vanguardia, no Deutsche Zeitung, no Herald Tribune ou no Monde Diplomatique, para não perder pitada do que se passa lá fora, "que a coisa aqui tá preta...", como cantava, ao meu amigo, o Chico),
- o comentário "lol" à fotografia daquele moço que foi apanhado a fugir, nu, à frente de uma galinha em fúria,
-

Na era da desestruturação social, laboral, familiar, associativa,
- muros de estradas pagáveis que separam pessoas que tiveram que ir trabalhar, sob ameaça de despedimento, para uma sucursal no extremo do país, com as excelentes condições psíquicas e de integração social,
- casais que não têm filhos (sei lá, estéreis por causa dos químicos na porcaria de janquefude que conseguem pagar para comer, que é a mais barata e que serve para aniquilar as "classes inferiores"), que não podem ter filhos (que a vida está cara), a juntarem-se cada vez mais tarde (que não há condições para suportar uma renda, quanto mais pedir crédito a um banco para ficar agarrado o resto da vida a pagar a estúpida da casa em que vais morrer enjaulado), com pouco tempo para socializar, sair à noite (que há consumo mínimo),
- o abandono dos pais depois das férias. Não, o abandono dos pais no HOSPITAL, não no canil,
- o despedimento fácil, barato e a dar milhões a quem não pode perder um bocadinho de tempo a olhar para o outro, que "taime ij mónei", dizem os padres do só funcional mundo utilitário moderno,
- o entretenimento imposto e sorrateiro a criar divisões, desinteresse, a esvaziar ideias e a desestruturar, pela base, qualquer possibilidade de agregação de esforços em prole para lá da limpeza do cotão teu do umbigo. Ah!, viva a a liberdade de associação! Viva a Democracia!
- as horas tão infrutíferas e mal-pagas de vida que perdemos a trabalhar para ganhar a vida. Para trabalhar. E as horas escassas do dito descanso-rentabilização-das-forças-para-amanhã-vergares-de-novo-e-bem, produtivamente-a-mola-que-serve-para-a-máquina-em-que-nunca-te-revês-e-onde-te-perdes-todos-os-dias, que te não deixam espaço senão para dizeres que estás farto e que só queres estar sozinho e que os amigos e os familiares e as viagens e os passeios nos parques que tu não tens na tua cidade podem ficar para outra altura, ok? depois ligo-te, sim?.

Na era da mobilização autocrática
- a da obrigação de deixar o apartamento
- a da obrigação de não permanecer no local
- a da ordem para sair do bairro, que vai ser demolido, a do campo, que vão começar as obras para o futuro e novo aeroporto de Notre-Dame-des-Landes, 
- a da obrigação de sobreviver noutra terra, "plena de oportunidades"
- a da transferência de pessoal para serviços para os quais não estavas preparado e se não te adaptares vais prà rua.

Na era dos fluxos instantâneos
- do dinheiro virtual à pressão de um "enter"
- do lixo humano escravo e emigrante à pressão de um "out!" (por xenofobia ou ordem dos serviços de estrangeiros e fronteiras.. bah!, fronteiras...!)
- dos objectos de consumo que mandas vir pela net do outro lado do mundo, mas que vieram da China, sempre da China, ou de um outro país onde fica sempre mais fácil produzir e é mais fácil poluir, que ninguém vai saber e todos lucramos com isso: eles, porque lhes damos trabalho, tu, porque tens a coisa a sair-te mais mais barata, e eu, que tive a brilhante ideia de congregar esforços virtuais e liguei uma coisa à outra, aqui sentado em frente a este computador brilhante e cheio de cristais líquidos,
- do lixo que antes não o era e só agora que já usaste e desembrulhaste o objecto é que te apercebeste que é... lixo, que envias - chamando as forças de limpeza, 24 horas por dia, sempre ao teu dispor, em nome da saúde pública - para longe dos teus olhos cada vez mais mirrados


Nestas eras todas, em que, devido à liquidez, não consegues formalizar uma teoria, pois quando terminas a frase já tudo parece ter mudado e o que querias dizer já aí vem contradito pelo que agora se te apresenta;
nestas eras todas, em que devido à comunicação, física ou informacional, os efeitos já não se restringem a este ou àquele sítio, lugar, zona, região, país...

nós observamos que...

a fusão das freguesias é uma decorrência normal da perda de fronteiras que figuram apenas como ideias ou traços num mapa, também ele desenhado com base em ideias.

A agregação de freguesias é a materialização da enxurrada do capitalismo e dos valores da economia a sobreporem-se a tudo o que possa ser expropriado, esvaziado, explorado, transformado, vendido e transferido.

Na era dos assaltos que ficaram por fazer ninguém sairá seco deste planeta azul de cores misturadas.
Viva a riqueza cultural: enquanto eu profito, (fico com o graveto, 'tás a ver?) tu ficas a ver navios.
Pois, pá, é para isso que...Viva a riqueza cultural e coloral do planeta das notas verdes e do fitoplâncton em redução abismal.

Globalização é o mundo a rodar tão rápido quanto uma batedeira: para misturar bem.
Para desorientar bem.
E envolver tudo.
Mas... sempre a bater no mesmo lado.
E sempre o mesmo a bater bem.
Às claras.
Sem interrupção que nos valha.

A metafísica da agregação das freguesias acaba mesmo aqui: nas fronteiras, vistas, agora sim também aí, como um anacronismo. Barreira finalmente derrubada pela racionalização económica sob a capa do bem comum que fica sempre para depois.

A reformulação de fronteiras e a renomeação ocorrem quando o poder é outro, sendo outro porque assim impõe mudanças, assim se afirmando como novo poder. Numa pescadinha-falácia de rabo-na-boca que não conseguirás comer.

Trata-se, simplística e kuhnianamente, de mudança de paradigma.
A meta deixa de ser física, passou a ser objectivo. 
But, em francês, goal, em inglês, understand silly oldman?

Ou talvez não seja outro paradigma.

Porque este último assalto era um dos assaltos que faltavam depois do despojamento que tem vindo a ser praticado pela rapina secular dos bancos.
Agora que se proporcionou e todos estamos com a corda no pescoço, incluindo os porcos capitalistas dos banqueiros de todo mundo, unidos e divididos, eis o momento.
Vem tarde e a más horas!!!

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