Virtual e Real - I: Espaço

Realidade e virtualidade, uma questão que começámos por mencionar aqui, a propósito das relações humanas. Prosseguimos na sua abordagem, agora sobre um objecto que é caro à Geografia - o espaço.
(A continuar, nos próximos dias.)


À medida que os moradores ampliam os seus espaços de comunicação para a esfera internacional, conduzem simultaneamente as suas casas para longe da vida pública.

Virtualmente, todas as cidades do mundo começam a apresentar espaços e zonas poderosamente conectadas a outros espaços "valorizados", cruzando a paisagem urbana e as distâncias nacionais, internacionais e até mesmo globais. Ao mesmo tempo, porém, há muitas vezes em tais lugares um palpável e crescente sentido de desconexão local em relação a áreas e pessoas fisicamente próximas mas social e economicamente distantes.
O produto excedente da nova extraterritorialidade-mediante-a-conectividade dos espaços urbanos privilegiados, habitados e usados pela elite global, são as áreas desconectadas e abandonadas.

Tal como sugerido pela primeira vez por Manuel Castells, há uma crescente polarização e uma ruptura de comunicação ainda mais completa entre os mundos em que vivem as duas categorias de residentes urbanos:

O espaço da camada superior é geralmente conectado à comunicação global e a uma ampla rede de intercâmbio, aberta a mensagens e experiências que abrangem o mundo inteiro. Na outra extremidade do espectro, redes locais segmentadas, frequentemente de base étnica, apoiam-se na sua identidade como o mais valioso recurso para defender os seus interesses e, em última instância, o seu ser.

A imagem que emerge desta descrição é a de dois mundos segregados e distintos. Só o segundo deles é territorialmente circunscrito e pode ser capturado nas malhas das noções geográficas ortodoxas, mundanas e terra a terra. Os que vivem no primeiro deste dois mundos podem estar, como os outros, «no lugar», mas não são «do lugar» - decerto não espiritualmente, mas com muita frequência tão-pouco fisicamente, quanto é seu desejo.

Imagem retirada daqui

As pessoas da "camada superior" não pertencem ao lugar que habitam, já que as suas preocupações se situam (ou melhor, flutuam) alhures.

O mundo em que vive a outra camada de moradores da cidade, "inferior", é o exacto oposto do primeiro. Define-se sobretudo por ser isolado daquela rede mundial de comunicação através da qual as pessoas da "camada superior" se conectam e com a qual as suas vidas se sintonizam. Os habitantes urbanos da camada inferior estão «condenados a permanecerem locais» - e, portanto, espera-se, e deve-se esperar, que a sua atenção, repleta de descontentamentos, sonhos e esperanças, se concentre nos "assuntos locais". Para eles, é dentro da cidade que habitam que a batalha pela sobrevivência e por um lugar decente no mundo é desencadeada, travada, por vezes ganha, mas geralmente perdida.

O afastamento da nova elite global em relação aos seus antigos engajamentos com o populus local e o crescente hiato entre os espaços vivos / vividos dos que se separaram e os espaços dos que foram deixados para trás é comprovadamente o mais seminal de todos os afastamentos sociais, culturais e políticos associados à passagem do estado "sólido" para o estado "líquido" da modernidade.


Zygmunt Bauman,
in, Amor Líquido,
pp. 125-127

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