Não estar, Não estar a ser, Não ser


Diz-me que solidão é essa
Que te põe a falar sozinho?
Diz-me que conversa
Estás a ter contigo?
Diz-me que desprezo é esse
Que não olhas para quem quer que seja?
Ou pensas que não existe
Ninguém que te veja?

Sempre Ausente, António Variações.


A cidade é a ilusão
Onde morremos todos os dias.


As pessoas estão a ficar cada vez mais sozinhas.
A "lonely people", com os seus ídolos e amores inalcançáveis, que os Beatles cantavam em Eleanor Rigby (em 1966...).

Projectamo-nos no futuro e ausentamo-nos do presente.
Estamos fora do lugar, fora do tempo.
Estamos para além de nós, aquém de nós.
Cada vez mais sozinhos
Entre a multidão
Cada vez mais sozinha.



"O advento da proximidade virtual torna as conexões humanas simultaneamente mais frequentes e mais banais, mais intensas e mais breves. As conexões tendem a ser demasiado breves e banais para se poderem condensar em laços. Centradas no negócio à mão, estão protegidas da possibilidade de extrapolar e engajar os parceiros além do tempo e do tópico da mensagem digitada e lida - ao contrário daquilo que os relacionamentos humanos, notoriamente difusos e vorazes, são conhecidos por perpetrar. Os contactos exigem menos tempo e esforço para serem estabelecidos, e também para serem rompidos. A distância não é obstáculo para se entrar em contacto - mas entrar em contacto não é obstáculo para se permanecer à distância. Os espasmos da proximidade virtual terminam, idealmente, sem sobras nem sedimentos permanentes. Esta pode ser encerrada, real e metaforicamente, sem nada mais do que o premir de um botão.
A realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Ao contrário da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente no seu estabelecimento. "Estar conectado" é menos custoso do que "estar engajado" - mas também consideravelmente menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos."

Zygmunt Bauman, in Amor Líquido, p.86
(Relógio d'Água, 2003)


Estavam cinco meninas no diminuto pátio de uma escola de música desta cidade isolada chamada Braga.
Teriam elas menos de dez anos. Todas, certamente.
Três delas, juntas, pareciam dizer coisas sobre uma flor, que ali observavam.
Restam duas.
Essas duas estavam, cada uma, com o telemóvel na mão.
Não olhavam para ninguém.
Não falavam com ninguém.
Estavam fora daquele lugar.
Fora dali, fora daquele tempo.
Estavam sozinhas com o algo ou o alguém do outro lado do telemóvel.
Na comunicação, incomunicáveis.

A solidão antecipada, porque querida.
Em tão tenra idade.

O suicídio em gestação na sociedade incomunicativa actual.

Esperamos pelo tempo
Das mortes sem lugar.

E para quando a VIDA?


* A capa do disco, ilustrativa desta realidade que sentimos, serve também para uma nota: ao que parece, o Will Oldham (sob o nome Bonnie Prince Billy) vai dar um concerto na Sociedade de Geografia (!). Este sábado, dia 5 de Junho.
* Zygmunt Bauman recebeu recentemente, só por acaso, o Prémio Príncipe das Astúrias.

Comentários

Mensagens populares