Urbanidades

Flanando pela cidade (quais são as nossas rotas diárias na urbe? Que mapas mentais construímos através delas?) deparamo-nos por vezes com certas frequências. O nosso cruzamento com determinados tipos de pessoas varia no tempo e nos espaço. De manhã, à tarde, à noite, de madrugada são distintos os lugares que visitamos e aqueles que neles encontramos (o que faz alguém ficar num lugar que não habita? Em que medida o “Onde estamos” faz de nós aquilo que somos?).

Características filtradas por diversos factores societais. Associações de caras a lugares, de ambientes a estilos de vida - processos identitários e espaços de consumo (e que significa consumir o espaço? Pressupõe necessariamente uma postura activa?)

De antropologia urbana nada sei, mas espero não dizer nenhuma asneira ao estabelecer relações entre móveis (pessoas, animais, automóveis) e imóveis (ruas, edifícios, praças, jardins - lugares, espaços, sítios). Não devemos, como já dito, descurar o factor tempo, que os torna inteligíveis ao ser pensante. Desta forma, o hábito, as leituras e as sensações escrevem as seguintes colagens (atenção: não pretendo instituir maniqueísmos ou reducionismos, pois a sociedade é complexa, híbrida e não se deixa “agarrar” assim tão facilmente…):

- gatos que se escondem debaixo de carros, que “jantam” junto a contentores do lixo e portas das traseiras, ou dormem nos becos do cimento (será que ainda chegam aos telhados, cada vez menos de telha?);
- prostitutas à face da estrada, da esquina ou do semáforo (será que, ao longo dos anos pós-revolução industrial, elas têm vindo a alargar o seu “espaço vital”?);
- idosos que habitam nos “cascos” envelhecidos, que dormem e lêem nos bancos das praças públicas (é um facto que alguns desses bancos têm vindo a ser trasladados para a praça privada; mediante os espaços comerciais, esta tem vindo a diversificar a sua oferta e, com isso, a sua capacidade de atracção de novos públicos consumidores;
- jovens (dos 10 aos 35, hip-hopers, metaleiros, punks…) em bares, esplanadas de café, discotecas, “parques radicais”, eventos musicais… mas também remexendo em adereços de moda, entrando e saindo das lojas de roupa, perfumes, sapatos, pulseiras, malas e relógios…
- domingueiros a passear no supermercado, entre encontrões e o trânsito das “ruas” ladeadas pelas estantes coloridas;
- homens de negócio, os engravatados, os corruptos, agentes imobiliários e construtores de obras públicas e privadas… tomando decisões na sua secretária, ao telemóvel, ou com outros homens de negócio, com engravatados… em locais “normais”, invisíveis aos olhares da comunidade e da ética;
- polícias a prestar informações a turistas, forasteiros ou a “charlar” com o cidadão amigo, a passar multas ao carro em estacionamento proibido, de olhar sereno e sério, firme e horizontal;
- uniformes armados (de intercomunicador) à porta das lojas comerciais, ou acolitando operações de recolha dos sacos de dinheiro do banco, com seus carros blindados de tom hostil;
- arrumadores e seu tilintar metálico em mãos escuras em qualquer viela ou espaço para estacionar a sacrossanta viatura a combustível fóssil;
- mendigos que dormem às portas de balcões da Caixa;
- pedintes que pedem por entre os passantes repentinamente apressados, ou na pausa do semáforo demasiado lento;
- inquiridores duvidosos em cruzamentos pedonais;
- “aqueles a quem chamam classes inferiores” nos subúrbios desqualificados e sujos, jogando à bola ou à macaca por entre os longos intervalos em que não passam carros…

Pode este texto ter-se convertido numa descrição exagerada de algumas partes das nossas cidades? Foi apenas um espaço de reflexão, longe do ruído e do bulício alienante.

Critiquem, acrescentem e contradigam nos comentários.

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