Mobilidade sustentável: necessidade de revisão do Código da Estrada!

Rogeriomad, Utrecht, 02.06.06.Informo a todos que o programa do II ano tertuliano foi alterado.
Uma vez que nos encontramos na Semana Europeia da Mobilidade, o tema da tertúlia deste mês será sobre a "Mobilidade sustentável".

Para lançar este tema, gostava de publicar uma conversa (escrita online), mantida entre mim e
Mário J Alves no Bicicleta Portugal, sobre a necessidade de novas regras de circulação rodoviária e consequente revisão do código da estrada, na qual transcrevo apenas o início da discussão.

A conversa já tinha começado e a certa altura eu escrevi, após a leitura da documentação presente no site da Plataforma para a Promoção do Uso da Bicicleta:

"Em relação à posição de marcha:
- Qualquer veículo deve ser circular na faixa mais à direita;
- Qualquer veículo deve circular o mais próximo da berma (não colocando em risco a sua circulação nem a de terceiros);

Interligado com a posição de marcha está a distância entre veículos:
-Qualquer veículo deve manter entre o seu veículo e o que procede uma distância de forma a evitar acidentes;
-Qualquer veículo em marcha deve manter uma distância lateral suficiente para evitar acidentes;"

Penso que estamos todos de acordo…

Continuando…
Em relação ao artigo 90.º li e reli, várias vezes, e não encontro qualquer justificação para o adjectivar de perigoso (pelo menos para se lançar uma petição). Concordo com todo o artigo 90.º que por acaso desconhecia… (nas aulas de categoria B não aprofundamos a circulação dos velocípedes, o que está errado).

Outra regra geral…
Só quando pretendemos mudar à esquerda é que assinalamos, convenientemente, a nossa intenção, usamos o eixo da via ou, em caso de via sentido único, usamos a faixa mais à esquerda. Para todos os veículos…

Quando o artigo diz: “os condutores de velocípedes devem transitar o mais próximo possível da berma…”
O que quererá dizer “mais próximo possível”?
Por exemplo, para mim o mais próximo possível é o mais próximo possível (tendo em conta a minha segurança, a da minha bicla, a de terceiros, etc.), quando não for possível coloco-me no meio da via sem qualquer problema (não subo o passeio, como muitos). Quando se encontram carros estacionados na berma… redobro atenção porque pode acontecer imprevistos e deixo uma distância lateral de forma a proteger-me de eventuais imprevistos… Todos fazem isto, ou não? O exemplo que dão… é real… mesmo havendo uma ciclovia… Por exemplo, muitas das vezes, a ciclovia é projectada entre o passeio e o estacionamento, sem haver uma separação física e sem deixar uma distância mínima entre os tipos de via, não prevendo situações como a que ilustram na página 4. O que fazer?

Depois… a ilustração que mostram na página 5…
Também aprendi nas aulas de código… que o automóvel pode ultrapassar um veículo de duas rodas (com linha contínua e com linha descontínua), DESDE que não COLOQUE EM PERIGO a sua circulação, a do motociclo ou velocípede, e a dos veículos em sentido oposto. Quando a via tiver linha contínua, este pode ultrapassar veículos de duas rodas, mas não pode pisar nem transpor a linha e DESDE que NÃO COLOQUE EM PERIGO a sua circulação, a do velocípede, etc… blá blá… caso contrário é contra-ordenação muito grave.

Se repararem na página 5. o Right e o Wrong são duas imagens diferentes, completamente:
-No “right” está certo… a faixa da esquerda está desimpedida, usamos sempre a faixa da esquerda para ultrapassar…
-No Wrong o automóvel azul nunca poderá ultrapassar o velocípede porque já se encontra um automóvel a efectuar a manobra de ultrapassagem… O exemplo que dão existe, é real e acontece muito, mas não é a lei que faz que aconteça coisa destas! É a falta de civismo e o esquecimento do código por parte dos condutores… No caso do trânsito lento a questão de segurança nem se põe em questão.

Por isto digo…
O artigo 90º estará obviamente a incluir/considerar a segurança… peca porque oculta informação e não vai de encontro às exigências dos velocípedes, mas se fosse… depois teríamos “velocípedes armados em veículos pesados”, ou seja, no meio da estrada a entupir o trânsito que, infelizmente, é demasiado nas nossas cidades, mas é real!. Repito… há muita falta de civismo dos velocípedes… (Não sou anti-ciclista. Atenção! Estou do vosso lado…).
Nos países nórdicos, Benelux, entre outros, resulta, e devemos seguir o exemplo deles, mas aqui não resultaria, por enquanto.

Quanto à prioridade cruzamentos…
Ao ler o código da estrada e ao ler o seu artigo/manifesto…
Sou da opinião que Portugal não está preparado para adoptar regras idênticas às dos outros países (desconheço as regras dos outros países, escrevo segundo o que dizem), porquê?

Na falta de sinalização, a circulação nos cruzamentos se faz através da regra geral de prioridade (respeitando sempre a direita). Certo?
E porquê que esta regra não contempla os velocípedes?
Para mim há uma razão suficientemente forte: “A lei do mais forte predomina”! (E na realidade portuguesa faz sentido). Porquê?
O Código da Estrada apenas é leccionado a partir dos 18 anos. Para QUEM QUER e para QUEM PAGA! (Não devíamos aprender o código para tirar carta de condução=carro, mas por uma questão de bom cidadão, aprender para saber bem circular e respeitar restantes utentes da via pública. No entanto, isto não acontece em Portugal). As escolas de condução são um negócio que devia acabar… Sabem quanto custa a carta em Guimarães=NORTE? 600euros na escola mais barata. E em Quarteira=SUL? 1200euros! Com negociação (se não fizermos metade das aulas, fazem-nos por 1000euros). Pormenores… bem mais complicados de se resolver… (porque convém a alguns a realidade existente continuar…)
Mas continuando…

Se a aprendizagem do CE é apenas para QUEM QUER (ou inscreve-se numa escola ou vai á internet e consulta documento CE) e para quem PAGA… ora…
Se perguntarmos a um jovem velocípede que nunca estudou/tirou o código, será que ele sabe o que é respeitar a direita nos cruzamentos? NÃO!
Convém mudar mentalidades através regulamentos, mas através do suporte base: Educação.
Regulamentar sem educar, não resulta! Código na estrada deve constar na escolaridade obrigatória. Não sei como é nos outros países. Como é? Mas, também, lá fora a tradição já é uma forma de educação…

Agora analisando a vossa ilustração da página 7. Bem! Não é bem assim, como tentam ilustrar… E digo isto, não apenas opinião pessoal, mas também porque acabei de mostrar a ilustração a outras pessoas… e elas concordam comigo.
Analisando a ilustração da esquerda para a direita…
- O primeiro ponto de embate: Só existe quando arrogância do condutor prevalece. Na mudança de direcção o condutor perde a prioridade perante o peão. Logo redobra sempre a atenção e reduz velocidade e nunca quererá atropelar um velocípede! (Não sejam radicais!)
- O segundo ponto de embate: Idem, idem…
- O terceiro ponto. É DE FACTO UM PERIGO. Mas relembro uma frase: por mais que tenhamos prioridade, ELA NUNCA É ABSOLUTA. Compete a todos os utentes saber atravessar os cruzamentos respeitando as regras do CE.
- O quarto ponto: idêntico ao 1º e 2º.

Agora pergunto-vos, o velocípede também não deve assegurar a sua protecção?
Eu, numa bicicleta, mesmo com prioridade, num cruzamento nunca passo tranquilo… redobro a atenção e não tenho qualquer problema dar a prioridade ao automóvel. Prefiro dar a prioridade (como um “velocípede cavalheiro”) do que saber (convencido) que a tenho e depois levar com um carro em cima! Pensem nisso…
A PRIORIDADE NUNCA É ABSOLUTA.
Porque será que nós, os velocípedes, queremos prioridade nos cruzamentos?
Será que pensamos mesmo nisso? Ou queremos afirmar-nos numa sociedade que ainda não está preparada para tal?
Antes de tudo, precisamos de educação. A educação não passa por regras/regulamentos.
Vejo muitas associações, e agora autarquias (cada vez mais), a promover o uso bicicleta. Este blog, também, é um exemplo disso…
O nosso combate deve passar por isso…

Relembro…
Todos os veículos que circulam na via devem circular, tendo em conta a sua segurança e a de terceiros. Devemos circular de uma forma cívica e respeitar/aceitar os erros dos outros. “Dentro do carro somos automóveis, a pé somos peões, montados na bicicleta somos velocípedes, etc…”
Somos todos utentes da via pública/privada, o respeito deve ser mútuo…
(Sempre pequenas ideias… recordações das aulas…).
Quando recebi a carta de condução vinha uma frase:
“respeite as regras do código de estrada e conduza com prudência”…
O que é conduzir com prudência? Será que sabemos?



Mário J Alves, responde e esclarece:

"Agradeço ter tomado o tempo de ler, pensar e comentar com energia um assunto importante. Antes de tentar responder às suas dúvidas e opiniões, gostaria de lhe fazer um apelo de carácter geral:

Porque é que estas e outras regras só existem no Código da Estrada português? Há várias hipóteses:
1) O nosso Código da Estrada é mais correcto que todos os outros códigos europeus. O que convenhamos é difícil de acreditar. :-)
2) O nosso Código da Estrada responde a um contexto cultural próprio e especifico de Portugal e está correcto para o nosso país - parece ser esta, em traços gerais, a sua opinião.
3) O nosso Código da Estrada está antiquado e reflecte uma visão das regras de trânsito já ultrapassadas no resto da Europa - é esta a minha opinião.

Sobre 2) só devo acrescentar os seguintes pontos: a) a nossa vizinha Espanha, com um contexto cultural muito semelhante ao nosso, tem um Código da Estrada muito mais moderno e adequado à protecção e dignidade do ciclista. Talvez mesmo, neste momento dos mais modernos da Europa e que inclui os princípios defendidos no documento que comenta. b) durante muitas décadas disseram-nos algo do género - ideias muito interessantes, até concordaria com elas noutro contexto, mas o nosso país não está preparado para elas. O grave foi que uma dessas ideias era a democracia. Na minha profissão, ligada à mobilidade e sustentabilidade, é o argumento que mais oiço - tudo muito certo concordo, mas Portugal não está preparado para isso. :-)

Não é o seu caso, porque até nem diz "tudo muito certo", porque com grande frontalidade não concorda com muitos dos pontos do documento. Mas não deixo de notar que sempre que concorda um bocadinho - lá vem outra vez o - ok, mas Portugal não está preparado para isso. :-)

Em abono da teoria 3) devo acrescentar que a evolução dos CE europeus, inclusive o espanhol, vão na direcção do defendido pelos documentos da Plataforma para a Promoção do Uso da Bicicleta. Existe uma direcção - uma evolução - um sentido.

Então, vamos lá por partes:

O Art. 90º Posição de Marcha:

Concordamos ou não com estes pressupostos?

São só necessários três elementos no código da estrada de forma a regulamentar a circulação de bicicletas:

1. As regras básicas consequentes de considerar os ciclistas condutores de veículos;

2. As regras que protegem a bicicleta porque é um modo de transporte vulnerável mas que importa incentivar.

3. As regras especificas à bicicleta sobre equipamento (por exemplo luzes e reflectores);


Se sim, o artigo 90º, que descrimina os velocípedes, restringido especificamente os seus direitos, não cabe em nenhuma das alíneas acima.

Só por esta razão o Art. 90º não deveria existir e todos os veículos (inclusive a bicicleta) deveriam cumprir simplesmente o Art. 13:


Artigo 13º
Posição de marcha

1— O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.

2— Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.


Foi esta a posição adoptada pelo artigo que comenta.


No entanto, acredito agora que os veículos de duas rodas, por serem veículos mais vulneráveis, não deveriam sequer ter que cumprir o Art. 13º tal como está redigido.

Para evitar apertões laterais, se conversar com qq utilizador experiente de motociclo ou se consultar qq livro de segurança rodoviária além Badajoz, reparará que se aconselha a que a circulação não seja feita "mais próximo possível das bermas ou passeios", mas sim alinhado com a posição do condutor de um veículo automóvel - isto é a 2/3 da faixa para a esquerda. Isto é, o motociclista para garantir a sua segurança não deveria cumprir o Art. 13º do CE.

No caso dos ciclistas é um pouco mais complicado. Como aconselha, por exemplo o livro cyclecraft (recomendado pela Royal Society for the Prevention of Accidents do Reino Unido), mesmo os ciclistas mais lentos deverão ocupar o centro da faixa de rodagem da direita como a sua posição primária. Se houver veículos a quer ultrapassar e/ou o ciclista avalia que é possível uma ultrapassagem segura (isto é, se a largura permite uma distancia lateral segura entre ele e o veiculo), o ciclista deverá adoptar a posição secundária (ligeiramente para a direita, mas sempre mantendo em relação ao lancil ou carros estacionados uma distancia de segurança). A razão de ser deste posicionamento na faixa é que os ciclistas são mais visíveis e previsíveis quando circulam na posição primária que quando adoptam a posição secundária (atenção às portas!). Ora, este tipo de posicionamento do ciclista na faixa é ilegal tanto de acordo com o Art. 90º como o Art. 13º.

Por estas razões, parece-me melhor alterar tb o Art. 13º, para permitir mais liberdade para os veículos de duas rodas adoptarem a posição na faixa que estes, e de forma subjectiva, considerem mais segura.

Como re-escrever o Art. 13? Quer ajudar?

Agora em relação à prioridade nos cruzamentos (Artigo 32º Cedência de passagem a certos veículos e Artigo 31º Cedência de passagem em certas vias ou troços).

Mais uma vez, ao discriminar restringindo direitos especificamente aos ciclistas, o Art. 32º e 31º não cumprem os pressupostos de que falei à pouco (nem é 1., nem 2. nem 3.). Por isso mesmo esta discriminação deve desaparecer. Digo isto só porque se não, o melhor era discutir primeiro este pressuposto e só depois então discutir os detalhes do CE.

A prioridade nunca é absoluta, mas em situação de responsabilidade perante a lei o CE português, contrariamente aos outros, põe a responsabilidade no mais fraco em vez de por a responsabilidade no mais pesado. É que as situações de conflito em cruzamento que refere que só existem "quando arrogância do condutor prevalece" são as mais frequentes e mais perigosas para os ciclistas. Porque a arrogância do condutor é uma aquisição cultural que é mais frequente em países onde a lei põe a responsabilidade de protecção no mais vulnerável - isto até é contra o Principio de Justiça de Rawls.

Mas não deixo de concordar com muitas coisas que diz. Nomeadamente na importância da educação e da prudência. Por isso mesmo, na proposta de Alteração do Código que tb está na página, propomos à cabeça propostas fundamentais, tais como:

O Código da Rua que integraria "O Principio da Prudência" a exemplo da recente revisão do Código Belga.
Educação para a segurança rodoviária obrigatória nos currículos escolares.
Regras e sinalética de gestão das velocidades em meio Urbano.
"


Para que o artigo não se torne extenso, aconselho os leitores a acompanhar a restante parte da conversa no excelente blog Bicicleta Portugal, um espaço de reflexão e debate sobre mobilidade ciclável, na Etiqueta Legislação acedam à respectiva caixa de comentários do artigo "Petição pelos direitos dos ciclistas".

Aconselho a leitura dos documentos disponíveis nos sites da Plataforma para a Promoção do Uso da Bicicleta e do Mário J Alves.

Saudações geo,

Rogériomad

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