Já repararam como vai estar amanhã? (Viagem à memória a passar-se...)
Well, I'm in love with a weather girl
She brings sunshine into my world
I expect I won't have to cry
She's dropping clouds out of the sky...
Quando apareceu a sociedadeindependentedecomunicação, o terceiro canal da têvê que não tardou a transformar numa realidade mais grosseira a epistolar canção dos Táxi ("TVWC" é o nome), havia meninas a apresentar o boletim meteorológico.
Depois, pouco tempo depois, surgiu uma televisão muito pouco católica (e nós com isso!...) onde pudemos aprender a pensar no que é ou deveria ser um boletim meteorológico. Era apresentado pelo amigo açoriano Anthímio de Azevedo e nele se mostravam imagens de satélite, com as nuvens sobre o escuro e uns pontinhos com cruzes que delimitavam ou apontavam o território nacional.
(Não muito mais tarde, o amigo açoriano dava a cara a uma conhecida marca de tintas, dizendo que eram boas para resistir à agressividade das chuvas químicas das cidades... ou seja, num simples anúncio ficávamos a pensar no porquê de as chuvas, nas cidades, serem agressivas...)
Na RTP, por essas alturas (meados de noventa, acho) lembro-me bem (porque se há coisas que ficam, também há coisas que queremos que fiquem), usaram dois temas do "Antarctica", do Vangelis, nomeadamente este e este, como som de fundo. Apenas uma voz ouvíamos falar e víamos uns quadros electrónicos com o tipo de céu que se previa. Vangelis, deixem-me dizê-lo, que sempre o vi como uma espécie de filósofo, ou então, mais correctamente dizendo, um psicólogo que perscruta a nossa mente e lhe reconhece as faltas. E também a estreita ligação à natureza de que parecem brotar muitas das melodias que compôs. Daí que a música encaixava muitíssimo bem.
Oxygene, Jean Michel Jarre
Observar a natureza faz pensar.
Dantes davam os filmes que iam passar nos cinemas do país (ajudou-me a aprender a palavra "Nimas"...). Era uma longa lista que passava, de baixo pra cima, antes do jornal da noite. Antes de este ter sido transformado no veneno nosso de cada dia.
Dantes davam desenhos animados depois do dito jornal da noite. E ríamos com o Babalú, ou com a Tartaruga Touché ("En garde!...").
Dantes, mais pra trás no tempo, para preencher aquele bocadinho de tempo que faltava até começar tal programa, davam videoclips, sim, assim, soltos, de músicas. Lembro-me tanto da "Canção dos Sapos" (como lhe chamava; ou "We All Stand Together"), do McCartney (o McCartney sempre transportou aquele ar infantil que os Beatles tinham...) ou de algumas do então tão popular e sempre grande Júlio Pereira (como a "Celtibera"...) ou do Rão Kyao...
Já repararam como todas estas pausas para respirar foram suprimidas?...
E tal como deixamos de ter tempos livres quando os usamos (por exemplo a pensar ou a preparar o trabalho), os vazios deixaram de existir: passaram a estar ocupados... com o VAZIO da publicidade interminável e omnipresente.
Porque a dada altura, alguém deverá ter considerado que as imagens de satélite eram demasiado complicadas de entender.
Depois, - como ia a dizer - retiraram-nos as imagens de satélite e reduziram-nas a símbolos: nuvens com gotas a cair, escuras ou brancas, com um sol atrás delas, ou um sol com os raios a pingar, rectos.
Ignorar as causas das coisas é perdermos o material do pensamento. Até ao ponto em que não conseguirás pensar em nada sobre um assunto: faltam-te dados.
Sem futuro nem passado
O Novo Acordo Ortográfico (NAO) vai, em demasiados aspectos, neste mesmo sentido: suprime consoantes que fazem com que certas vogais sejam lidas abertas (e por isso é que dizemos as palavras como as dizemos...) e consoantes que nos fazem questionar o lá estarem (por causa da etimologia, isto é, faz-nos pensar na evolução da linguagem e na sua história...; e por causa da regra acima descrita)...
[Por conseguinte, lermos como abertas vogais que não são acentuadas é desrespeitarmos o NAO; do mesmo modo que lermos como fechadas vogais que deixaram de ser abertas pelas consoantes, suprimidas, é ridicularizarmos ainda mais o absurdo e o desmiolamento do NAO.]
(O NAO, como uma manifestação mais da vileza do tempo e da perfídia dos seus instituidores e líderes não eleitos, não podia deixar de acompanhar este processo de simplificação e reducionismo...).
Já repararam como estamos a perder muito mais facilmente a memória?
Já repararam que os peixes mortos são levados pela corrente?
Estamos cada vez mais distanciados do que fazemos, do que sofremos, sofrendo sem cessar, abortando assim formas de saber o que fazemos e de perceber as relações entre umas coisas e as outras.
Já repararam como continuam "sem cometer crime (e ser presos) os que abatem árvores e reduzem a terra a areia"?
One more tree will fall
how strong the growing vine.(One More Time To Live,
Moody Blues, 1971)Já repararam que Braga é das cidades com maiores amplitudes térmicas em Portugal? Porque será?
Pois...!
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