Vergonha de norte a sul

Não temos fotos para vos elucidar sobre aquilo de que tivemos de vir falar aqui.

Por um motivo ou por outro vamos nos deslocando pelo país. As vias de maiores fluxos são, provavelmente (i.e. com provas), as estradas e vias férreas do litoral. Aquela faixa ocupada a que já muitos chamaram a cidade de Viana a Lisboa. As coisas não são bem assim, bem o sabemos, mas... que diferença faz?
Para o que é necessário, o que resta é quase nada.

E nessas viagens, mais ou menos longas, cujas paisagens são condicionadas pela nossa atenção ao percurso e seus obstáculos e, por outro lado, pela localização das próprias vias por onde circulamos, vamos tendo uma ideia mais fundamentada do velho cliché que os professores de geografia nos ensinam: a ideia de Portugal ser ao mesmo tempo pequeno mas rico em diversidade paisagística. E isto tanto a nível geológico (tipo de rochas e morfologias) como - em boa medida, por consequência - a nível humano (tipos de habitação, usos do solo, etc.)

Ou seja, vamos interagindo com as principais componentes física e social através das quais poderemos depreender ou inferir os modos de vida das populações, a sua cultura, isto é, a sua inscrição no espaço ao longo da história.
(É fundamental ler o mestre Orlando Ribeiro para termos o privilégio da fluidez e do amor com que fala destes assuntos... Recuperamos para tal a recomendação de "Introdução ao Estudo da Geografia Regional")

Aquilo que vamos vendo por esse país fora nem sempre se revela. O viajante encontrará situações inexplicáveis, completamente absurdas até, que o farão perguntar-se sobre o que raio andamos aqui a fazer, ou "onde é que está o poder neste país?". Outras vezes, terá que ver e calar, à falta de preparação para saber interpretar o que se lhe é apresentado.

Um exemplo disto prende-se o "tapete vegetal". Nas palavras do professor, "só um conhecimento profundo ou uma investigação sistemática da flora de certa região, inacessível a quem não for botânico (e perito e expedito no trabalho de campo!), permite empreender uma pesquisa deste género". (op. cit. p.116). Ora, isto escapa muitas vezes ao Geógrafo e, no seu calcorrear pelo terreno, é fácil "passar por cima" de elementos que muito lhe poderiam dizer para explicar a paisagem.

Porém, neste caso, salta à vista e não é grande mister perceber a autêntica e alarmante desgraça em que o país está mergulhado: mesmo por baixo dos nossos olhos e narizes, Portugal está infestado de eucaliptos.

Ouvi dizer que a principal das concessionárias (que nomes engraçados para quem detém, para quem roubou - quiçá para sempre - aqueles milhares de hectares) das auto-estradas tem ou faz contratos com os proprietários dos terrenos adjacentes para que plantem eucaliptos. Ouvi dizer! Não sei de mais nada, nem se é verdade. Mas a avaliar pela enorme tristeza que grassa por aí não me admirava nada se fosse...

E quem ganha com isto deve ser a indústria papeleira. É a rodinha da vergonha, que gira sem parar.

Ali na Cova da Piedade (Almada) chegámos a ver eucaliptos como planta ornamental de uns retalhozinhos que para efeitos de PDM funcionam como espaços verdes e a que o comum cidadão também costuma chamar jardins. Também vimos que um desses "jardins" tinha areia (sim, como a da praia da região) em vez de terra. E as plantas que nele cresciam por abandono e desleixo, fazem-nos mesmo pensar quão forçado é o tapete da relvinha verdajante por onde passa o metro (MST - Metro do Sul do Tejo). Eu nada tenho contra a relva ali. Até é preferível. Mas apenas se contrapõe ao empobrecimento do resto.


Vimos, já entrados no Alentejo (distrito de Beja), quantidades dessa espécie como não esperávamos encontrar. (E também terrenos nus, sujeitos à erosão. Estamos, lenta, tranquila e silenciosamente a perder o suporte de vida)

De norte a sul, o país parece ter-se rendido à rendibilidade do eucalipto. No fundo, sinais dos tempos que correm: paradigma da globalização, do crescimento rápido, do lucro fácil e dos efeitos colaterais que todos pagamos: o empobrecimento (perda de diversidade) da paisagem, que assim se torna mais feia e igual.


Na região dos terrenos terciários (e falamos da faixa de Coimbra a Lisboa) vemos vertentes ravinadas, terras descarnadas, sujeitas à meterorização e à erosão que carimba, sem mais hesitações, a perda do solo. Para abrir estradas, essas "concessionárias" esqueceram-se de tratar das margens. Houve aqui há tempos, no programa Biosfera, uma reportagem sobre requalificação de terrenos degradados, cuja intervenção principal e salutar consistia em recuperar essas vertentes cobrindo-as de vegetação. Sim, é positivo. E essa iniciativa partia da principal das concessionárias. Mas onde estão esses bons exemplos? Há tanto por fazer...!

Olhando à esquerda e à direita vemos acumulações de areia e terra sem explicação. Nem um sinal de que por ali vá passar mais um viaduto...

Outras vezes, como ali bem perto de Oliveira do Douro, vemos coisas semelhantes a isto. Tal como aquele prédio inclinado na Covilhã. E tal como o edifício que prometia vir a ser a sede de uma empresa de construção, em Sequeira (Braga). Ou seja, esqueletos de edifícios. Não estamos a falar de prédios decrépitos por os seus materiais estarem envelhecidos mas, sim, de edifícios nunca habitados! Não percebemos porquê. Apenas aventamos hipóteses...

Depois há sempre os bolos por baixo das cerejas, grandalhões e inescapáveis à vista, diga-se: as escombreiras, as minas, as pedreiras, gigantescos vazios destoantes da cor da paisagem. Há-os ali a uns kms de Lisboa, há-os até em paisagens protegidas e parques naturais! Vejam só.

E o país sempre em obras, um país nunca acabado e a ser esburacado em tons gerais.


Quanta vergonha...

"Shame on... we!"


É assim que tratamos este país?
É agradável à vista?
Será realmente necessário?
Será preciso todos virarmos turistas para vermos, para sentirmos de outra forma?
É isto que queremos?

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