Enquanto andamos às voltas

Imagine que, tal como eu e muita mais gente (ninguém é perfeito...), quer deslocar-se ao centro da cidade que tem mais ao pé.

Ou imagine mesmo que vai de viagem para visitar aquela grande cidade. Respirar o ambiente, ver os monumentos, ouvir os linguajares veriegados do cosmopolitismo, sentir outra luz, ir às comprinhas, aceder aos produtos que, por razões de mercado, não é "viável" que estejam à venda noutras cidades mais próximas de si.

Vai de carro.
Sim, numa cidade de nível que se preze (e isto tem que ver com qualidade de vida), terá opção de não ir: utilizará o metro, o comboio, o eléctrico, ou o autocarro. Em último recurso, um táxi.
Estamos a falar de transportes que, pelos acessos e dimensão, possam levar-nos à porta do tal monumento, do tal café, da tal estátua, da tal loja... Ou que nos permita uma caminhada agradável até lá. Predisposição que dependerá da sua duração, da sua dificuldade (orografias e coisas que tais...), da sua paisagem envolvente, do som, dos cheiros... em suma, de um somatório de factores físicos e sociais que se manifestam no sentir do caminhante.

Mas pronto, vai de carro.

Ora, acontece que você não é o único.
Aliás, queria o quê com tanta estandardização no mundo?
Que fosse único no pensar, não?

Portanto, e porventura, não foi o primeiro a chegar à Babel.
Aliás, até consta que já lá havia quem morasse. Imagine só que curioso!

Então o senhor automobilista anda às voltas, em busca do buraquinho onde descansar os seus cavalos.

- Olha, olha, está ali um lugar!!
Ah... é para veículos com pessoas portadoras de deficiência...
(Caramba, é sempre a mesma coisa...)
...
- Olha, aquele até nem estava mau...
Mas não. É arriscado. Depois se vinha a polícia levava logo uma multa. Ou ficava sem carro... e depois como é que me ia safar nesta selva de betão? Esquece...

- Paciência, é continuar a procurar.


(Não sei se já viram. Surgiu-me esta imagem no decurso da prosa... No Truman Show, há uma cena em que a personagem principal, na sua cidadezeca, se pôe a caminho do trabalhinho no seu carrito... e logo surgem dezenas de carros, num supetão, a obstruir a estrada.

Bem... esta não era a imagem mais adequada...
Vamos a outra.

Montagem e colagem de Eduardo F.
Já pensaram quanto do espaço das nossas cidades é ocupado por carros?


Sabeis daqueles videojogos em que somos como deuses, e temos de construir a cidade ou o povo e pôr aquilo tudo a funcionar (os construtores, os lavradores, as fábricas, montar a rede de energia, de esgotos... etc.). Ora acontece que nesse mundo a fingir - tudo parece correr bem - os popós lá vão circulando nas estradinhas que desenhámos. Parecem baratas tontas, de um lado para o outro. Nunca ninguém, nesses jogos, pode descer até ao vidro de um desses carros e perguntar ao seu condutor:

- Mas afinal para onde é que vai?

(E isto faz-me lembrar esse filme existencialista que é "Abre los Ojos" (de Alejandro Amenábar), em que todos são figurantes - incluindo, até determinada altura, nós próprios - e fazem precisamente o que lhes dissemos para fazer...)


Voltemos à realidade.
Imagine-se o deus dessa cidade, suba ao nível dos olhos dele:

Quantos carros como o seu estarão por ali, às voltas?
Apenas às voltas, e numa fila inconsciente (enquanto só virmos o particular nunca nos aperceberemos do absurdo de algumas situações)...

Que sentido é que isto faz?
Pois é, mas só pode pensar em pensar nessa "questão filosófica" quando parar. E na estrada o carro de trás não tarda a apitar-lhe se se distrai em pensamentos perigosos...

Pois bem. Não enveredando, apesar de sem isso nada poder ser pensado,
pela habitabilidade das cidades, pela sua ocupação, pela sua geometria e orografia, pelo uso (habitacional, industrial, administrativo, comercial...) que os agentes económicos e os decisores com poder legislativo atribuíram aos seus centros (ou seus bairros e suas avenidas)...,
...sabia que os seus habitantes, ou seja, uma parte daqueles que chegaram antes de si, podem prestar-lhe um óptimo serviço?

Numa cidade que para tal tenha sido pensada (com perspectiva de futuro, ou adivinhando os rumos que o futuro traria, coisa sempre a fazer e por fazer...), pode acontecer que as garagens das suas habitações e prédios estejam vagas.
E isto porque ou não precisam de carro para ir trabalhar e não têm um,
ou porque foram trabalhar para a outra banda e só voltam à noite.

Ou seja, você e eu andamos ali às voltas, a jogar ao tempo perdido, e mesmo ali ao lado, por trás daquele portão, está um lugarzinho - e você só precisa de um...! - onde estacionar o seu carrito...
(mas lembre-se, tenha visão: a cidade, com baratas tontas como você e eu, precisa de muitos desses lugarzinhos...)

Pois bem,
parece que houve alguém que reflectiu sobre isto.
Pelo menos, já aqui ao lado.

Tuplaza.es é um serviço de mobilidade muito útil para os automobilistas que há muito andam metidos nisto e já perceberam que o espaço é limitado, escasso, talvez até insuficiente.
Façamos as contas das quantidades de carros que entram nas cidades todos os dias, pelo espaço que os pode conter...
Se tivermos tudo muito bem calculado, talvez descubramos muitas vezes que esse produto é negativo.

Como funciona?
Basta indicar para onde vai e poderá deixar a sua viatura (alugando por metade do preço, ou pelo valor acordado com o proprietário do espaço àquela hora vago) mesmo ali ao pé. Caminhe o resto que lhe falta.
Claro, do outro lado, estarão outros, talvez mais, mas normalmente menos, a disponibilizar as suas garagens.

(É normal que não estando nós inscritos nesse serviço não podemos dar-nos conta das suas potencialidades e possibilidades.
Mas o princípio é tão simples, tão simples...)


Ou seja, o serviço nada mais faz que atender aos princípios de gestão, supervisão, compartilha e rendibilização do espaço. O planeamento também se faz disto.

(E claro que isto ajuda a que continuemos a atafulhar as nossas cidades com carros.
Adiando uma mudança maior. Ou de paradigma.)


Mas é que enquanto andamos às voltas andamos a queimar tempo e combustível. E isso também não é lá muito saudável.
Nem para nós, nem para as cidades, nem para o planeta.

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