O Paradigma da Auto-Estrada

Poortugal tem auto-estradas que são uma maravilha de se ver.
E andar!

Neste momento, e se calhar há já algum tempo (pois padece de uma deformação de base...), há é pouca gente a vê-las com bons olhos e, talvez por consequência, ainda menos a andar a pôr nelas os olhos.
Mas, para alguns que o fazem, a deixar os olhos da cara no final de cada troço.

Ontem parece que, diz que, houve aí uma notícia, que querem pôr portagens em todas as auto-estradas e tal.
Ok. Ponde à vontade.
Tapai mais a panela de pressão no lume florestal.

Bom.
Mas não era por aqui que eu queria ir.
Agora, para voltar para trás, tenho que ir até ao final.


O salto acelerado e sem rampa de lançamento para o foguete que este país passou a ser, perdido no éter (sim, sim, esse mesmo que leva muita gente aos comas alcoólicos), após os anos do poder distribuído, que foi isso que o PREC foi, saldou-se na miséria mental e suas materializações que hoje abundam pela bunda cu-lateral que é o Portugal actual.

(Virar o cu prò lado, como fugir co' rabo à seringa, é para dar a vez aos próximos proxenetas que escolhermos pelos anos seguintes.
Tão bem que eles cuidam de nós,,,!)

Sem educação e preparação, saímos da carestia e da miséria para essa outra carestia e miséria invertida que é o consumismo e o subsequente / inconsequente "destrutivismo" paroquial.

Como o problema das drogas pode ser um problema do excesso (tanto de miséria como de dinheiro), o consumismo é um consumo em bicos dos pés para demonstrar sabemos lá o quê a nós mesmos, que estamos "passados" e o que interessa é perder o controlo, se possível, parcial.

O betão é o desígnio deste país, assim no-lo inculcam desde pequenos.
Os nossos pais, que até cresceram a acarretar baldes de massa (não, da outra), os nossos autarcas, que é assim que sobrevivem, acolitados pelas empresas e empreiteiros que... já não se distinguem lá muito bem - é uma massa, homogénea, coloidal, fatal, maquinal.
Que cheira mal.

A auto-estrada é uma das marcas do mundo dito pós-industrial (pós para quem? Deixou de haver indústrias? Pelo menos, parecemos apostados em expulsá-las do nosso buraco umbilical ocidental.
E transferi-las para outras terras, que, por isso, já não cabem na designação imaculada e fraternal do o "Ocidente".
Mas a praia ocidental lusitana ainda está longe.
Pois parece haver duas tendências opostas: internamente, a mando, dizem, lá das Europas (onde fica isso?), a destruir o "tecido industrial nacional" e tal e tal e por outro alguma ou outra multinacional a ver nos mendigos que somos, que aguentamos, aguentamos, uma excelente oportunidade para fazer mais lucros com a poupança no custo laboral.

Entalados como enlatados, o prazo aproxima-se do final.

Mas ainda não é isso.

Na era e na capital da auto-estrada, não podemos viver já da mesma forma como dantes. Isto é uma questão antropológica, pois trata da forma como nos relacionamos com o espaço e como o percebemos. E - pescadinha de rabo na boca, cães aos círculos, em espiral infernal - trata-se da forma como nos relacionamos com o espaço e o que lhe fazemos.

Não se pode amar o que se não conhece.
Não se pode cuidar do que não se aprende a amar.
Não se conhecer o que... já passou.

A auto-estrada alterou esta forma de vivermos e passámos a desprezar os locais. Somos estranhos por todo o lado e bestas de lado nenhum.
Nos fluxos horários, migratórios, informativos e relacionais esboroamo-nos como um pedaço de terra de vaso a deixar de ser regado.

Que prazer há em viver numa viagem que se não vive?
Cadáver adiado não seremos na auto-estrada, pois esta trata de fazer de nós um cadáver adiantado.
Para mais, as auto-estadas são cada vez mais iguais.
Mas talvez por causa desta mesma razão o são.

É preciso saber viver a tempo, diz o Nietzsche.

Não devemos forçar a travessia, pois chegaremos ao fim sem nada do que devíamos colher pelo caminho, resume Kavafis.

Viver aqui e agora.
Lutar pelo que temos agora e contra o que hoje nos afecta.
No desfiladeiro, cada passo em falso é o aproximador não da queda mas do embate, que é isso que nos mata.
De vez.

Auto-estrada é destruição do presente ao fazer-nos almejar o futuro.
Pelo futuro onde nunca ninguém viveu ou poderá viver.
É como comprar o céu a prestações e morrer de fome pela falta de dinheiro que se emprega a tratar do futuro.
Esta é a ética protestante, ideologia inflamável a corroer as sociedades há tanto tempo em declínio.
E o capitalismo não trata de a professar nas igrejas e espaços de adoração moderna, veiculada pelo gás metano e o brómio da informação "ao minuto", na "ânsia de tudo saber", para nada entender e tudo perder.

Sempre a merda do futuro, a merda do futuro!, grita, Zé Mário que todos somos.

Contrairmos dívida hoje, que estará saldada no futuro, cujos juros vamos pagando com o nosso presente cada vez mais morto.
E o objectivo é perdoar um ano, ou, traduzido por outras palavras, continuarmos a aumentar os juros e o tempo infindável do seu pagamento.

Já! Não, pagas agora.
Pagas já, usufruis depois.

A propriedade leva à apropriação
e a parida propaganda trata de te comer o pão 
com a promessa de te vir dar de comer à mão.



"Com tanto passado, pobre é o presente.
Com tanta ignorância, muitos mais tiranos.
Com tantos hipócritas o amor ao próximo desaparece."

Cemitério dos prazeres nas chamas dos semáforos vermelhos.
Prepare pagamento.

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