Deixar arder


Estou FARTO!

Depois dos grandes incêndios de há dois anos da Galiza, pude testemunhar, não in loco, mas pela televisão, nos noticiários da televisão regional (TVG), como as pessoas, organizadas, foram capazes de se mobilizar para reflorestar as enormes áreas perdidas (vulgo ardidas).

Depois dos incêndios da Madeira, vamos recebendo boas novas de uns quantos - não são super, mas simplesmente - bons homens, a quem boicotam os trabalhos em prol da defesa do ambiente (ver aqui e ler aqui), que é mais de todos nós que apenas de uns poucos.

A Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal vai lutando para repor o que o fogo destruiu em curtos esfreganços de olhos.

Com certeza que as associações florestais por este país fora devem lutar também.
Não quero falar desses casos. E cada um saberá de si, excluindo-se do grupo.
Sem alibis e com segurança.


A verdade é que, ciclicamente, os montes deste deserto que estamos a plantar à beira-mar, vão ardendo.
O abandono continua a ter consequências escaldantes. Arrasadoras.

Modos de vida alterados. Abandono da agricultura. Falta de limpeza do mato. Afastamento da terra. Natureza meramente explorada. Utilitária.
Aceleramos o processo dessa utilidade (todos gostamos do nosso papel. Literalmente! Que seria de nós sem ele?) aumentando árvores mais aptas a essa negociata.

Em cada eucalipto - rai's parta!! - que arde, novos eucaliptos florescem.
Por cada incêndio de eucaliptais, novos incêndios se reproduzem.

Cabe ao homem intervir.

A ciclicidade dos incêndios decorre do desordenamento e da não-intervenção.
Tal como na economia, para haver justiça e justeza, não haverá nenhuma mão invisível que nos venha resolver o problema dos incêndios.
Será que este sistema serve alguém?
Será que esta postura está a servir alguém?

E se sim, quem?

Não culpem os bombeiros, por favor, quando eles decidem, nas suas estratégias, deixar arder.
Falta muito pouco, na nossa incúria e desleixo, para os apontarmos como os culpados do que acontece.

Porque "Se não tivermos cuidado, a ignorância, a propaganda far-nos-ão odiar os inocentes e louvar os carrascos." (Malcom X, sempre reciclado, sempre válido...).

Lembramo-nos dos incêndios quando os vemos na noite.
Quando eles nos batem à porta, lamentamo-los.
Quando os vemos pela televisão, é um espectáculo triste. Às vezes também assustador e desolador.

"O tempo vai passando, vai passando..."
mas não vemos nenhum incêndio a lavrar quando as marcas do fogo vão ficando tapadas pelo verde mentolado dos eucaliptos.

Que estamos a fazer nesse intervalo?
Porque se trata, de facto, de um intervalo.
Enquanto não interviermos, inconsciente e desleixada, estúpida e culpadamente, estamos a aguardar o fim do intervalo.

E lá vem novo incêndio.
A cena repete-se.
Talvez até lá construam uns loteamentozitos
(e perguntamo-nos, talvez, se o fogo "Ah e tal, será que...?")
e então aquela área - temos a certeza - não arderá mais.

Ai é?? Então, olha, plantem casas por todos os eucaliptais deste país e temos o assunto resolvido!
- Não, não, não... porque eu, eu é que s'... eu, eu é que sou o persedente da portucel...

E não pode ser.
Sim, porque as grandes "urbanizações ortogonais" de eucaliptos para produção de pasta do papel - que cheira tão bem ao longe e brilha tão bem ao perto (sobretudo quando porta uns números, umas instituições que fingem representar-nos e quando está no nosso bolso) - ao longo das nossas belas auto-estradas não ardem. Essas manchas - vejam lá como lhes chamam os jornalistas - florestais (!) estão controladas, vigiadas, protegidas se for preciso. O dinheiro pode muito, não pode?

PORRA!
Estou farto da inacção e da desmemória renovada.
FARTO dos incêndios.

Não é com deixar estar que as coisas vão ao sítio.
Mas se calhar é esta a ideologia que grassa até à ponta dos nossos cabelos queimados.
Portanto, é deixar andar.

A ver aonde é que vamos parar.
Palpita-me que não vamos nem sair daqui, nem vamos muito longe.

Estais fartinhos também, não é? mas é do teor das minhas mensagens!
Que aborrecido estou, que aborrecido sou.
Também estou farto de ser chato.
Mandem-me à fava.
Que para eucaliptal não vou...

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