A nossa praça pública
Praça dos Restauradores, Lisboa
É um jogo
a que não podemos jogar
um jogo de que somos os espectadores
um jogo de desconhecidos jogadores
um jogo a que nunca iremos ganhar
Olha a menina a dançar
tão bela no seu saltitar
canta a roleta a rodar
mistérios da sorte e do azar
olha a menina a dançar
quem vai com ela ficar?
canta a roleta a rodar
mistérios da sorte e do azar
É um jogo
feito para nos comandar
um jogo de que desconhecemos as regras
xadrez de que se retiraram as negras
um jogo feito para nunca acabar
Olha a menina a dançar
tão bela no seu saltitar
canta a roleta a rodar
mistérios da sorte e do azar
olha a menina a dançar
quem vai com ela ficar?
canta a roleta a rodar
mistérios da sorte e do azar
É a nossa a vida que está em jogo
É a nossa a vida que outros jogam
É Um Jogo, Adolfo Luxúria Canibal
O professor Miguel Bandeira sempre citava o exemplo de que, na França do séc. XVIII se ordenou mudar o piso das praças para evitar que os populares tivessem pedras para arremessar. Hoje em dia, se o “mal” já vai no adro, chega a força militar, os canhões de água, as armas de ondas de calor e os altifalantes de infra-sons. Conseguem assim DESMOBILIZAR a manifestação. Mas, como disse Che Guevara ao soldadinho que o calou, em 67, com instruções da CIA (Operação Condor):
- Dispara, cobarde! Só matarás um homem.
Isto é, conseguem assim ADIAR a manifestação.
Para que serve uma praça hoje em dia? Um espaço amplo, acessível, que permite um projectar de vistas, rodeado de edifícios, não raras vezes com um monumento na sua parte central, historicamente utilizado para grandes concentrações e manifestações, comícios políticos…
Com estas características (disposição dos elementos, posição, carga histórica e/ou emotiva…), porque não representa a praça das nossas cidades um papel fundamental, mais interventivo e activo no espaço democrático? O que mudou?
Os valores que a praça representa, simbólica ou fisicamente (a amplitude e diversidade de perspectivas, a fruição, a liberdade, a discussão das ideias, como na Grécia antiga, as ideias fundaram a Europa das luzes e as que verdadeiramente que nos irmanam…) foram esvaziados, tornaram-se virtuais. Algo virtual é como um holograma – parece-nos que está lá, mas se passarmos para além dele, vemos que não passa de um simulacro. E como não damos esse passo, isto é, como não chegamos a praticar a liberdade, o simulacro passa pela sua existência efectiva, as sombras são o ser. Será sintoma de agorafobia?
A palavra valor passou a ser entendida como algo que pode ser transaccionado (mesmo aqueles outros, os éticos, são-no já, quando buscamos as cunhas e vendemos a honra, a rectidão e a integridade moral.). Fala-se muito de valores nos centros comerciais.
O excesso e a rapidez da informação desmobiliza, intoxica, obstrui;
O consumismo concentra, manipula, domestica;
O ruído esgota, confunde, anestesia;
A precariedade enfraquece a luta, mina a discussão, impede o debate.
Vamos discutir numa “praça de restauração” de um centro comercial? Com aquele ruído todo? Sob a vigilância dos seguranças? Com tanto apelo publicitário? Porque é que não sentimos claustrofobia?
O sentimento de medo é alimentado mediaticamente. A chuva incomoda, e entramos pela porta das lojas. Lá dentro sentimo-nos mais seguros, o que compensa (sempre a análise custo-benefício nas nossas cabeças...) ou anula a perda de “liberdade”. Apesar disso, todos juntos, mas juntos na solidão, separados, isolados, anónimos. Connosco lá dentro, o privado vem privar-nos do público, com seus edifícios iguais que se podem encontrar em qualquer cidade "desenvolvida" do mundo.
O sentimento de medo é alimentado mediaticamente. A chuva incomoda, e entramos pela porta das lojas. Lá dentro sentimo-nos mais seguros, o que compensa (sempre a análise custo-benefício nas nossas cabeças...) ou anula a perda de “liberdade”. Apesar disso, todos juntos, mas juntos na solidão, separados, isolados, anónimos. Connosco lá dentro, o privado vem privar-nos do público, com seus edifícios iguais que se podem encontrar em qualquer cidade "desenvolvida" do mundo.
Pois é, a opinião pública e essas coisas imateriais e que ninguém sabe muito bem o que são, como o novo tratado europeu, a comunidade internacional, as taxas de “spread”, o “emagrecimento” das empresas… Ideias, tudo são conceitos mais ou menos aéreos, uma linguagem que não dominamos – e que não nos ensinam para não a dominarmos – , que, se se fala, é muito levianamente, em frases feitas, ideológicas, estáticas, cristalizadas, com a duração (e os erros!) de mensagens de telemóvel ou das notas de rodapé dos telejornais que insistimos em comer pelo meio da comida malsã que vamos pondo no nosso prato.
À praça muito pouco pública veio parar a seguinte informação:
Como assinala o semanário francês Bakchich, o assassinato de mais um deputado libanês da facção anti-síria permitiu aos EUA e a Israel acusar de novo a Síria (aliada do Irão) de ser responsável por “desestabilizar” a região. O último raide israelita a Dair el-Zor, na Síria, não terá visado uma instalação nuclear, como foi dito, mas testar os radares e as defesas anti-aéreas sírias (o raide foi acompanhado por aviões-radar norte-americanos Awacs). Contra o que é usual, o ataque palestiniano com mísseis à base militar israelita de Trilim, que causou 70 feridos, não motivou reacção do exército israelita, que “se reserva para uma operação ulterior de maior envergadura”, segundo informações dos serviços secretos militares.
Retirado do jornal Mudar de Vida nº1, Outubro de 2007, p. 12
Consequentemente, as manifestações contra “o estado do mundo” que têm vindo a ganhar expressão têm continuado a vir tarde, quando tudo já está engrenado, quando o mecanismo já vai àquela grande velocidade que trucida quem quiser pará-lo.
Consequentemente, as manifestações contra “o estado do mundo” que têm vindo a ganhar expressão têm continuado a vir tarde, quando tudo já está engrenado, quando o mecanismo já vai àquela grande velocidade que trucida quem quiser pará-lo.
O exercício da liberdade não passa pelas acções que dia-a-dia vamos tomando, tais como escolher este ou aquele produto (aquilo a que podemos chamar a liberdade de remar COM a corrente). A liberdade que temos e a que não temos sente-se e sabe-se quando tentamos remar CONTRA a corrente., quando pomos à prova a força que afinal temos ou não temos. Quando, em vez de optar por dizer SIM a este ou àquele, escolhemos, peremptoriamente, dizer NÃO aos dois.
Dizer NÃO faz-se na praça pública, nos espaços abertos, do lado de fora da opressão das paredes e do papel variegado da publicidade ruidosa.
Dizer NÃO a este sistema, que nos consome e corrói, que nos ignora e marginaliza.
Calculo que seja difícil mobilizar tanta força fraca que cada homem representa para a roda do mundo. Calculo que qualquer manifestação está com as pernas cortadas à nascença.
A vivência da praça pública passa pelo exercício da liberdade, pelo remar CONTRA a corrente, contra o pensamento mesquinho, obscuro, interesseiro e destruidor, contra o vazio dos valores humanos da fraternidade e da igualdade.
Vamos lançar a bomba que há-de destruir o holograma em que nos obrigam a viver, nós, sombras do que PODEMOS ser.
E aqui lanço o apelo ou a ideia, mesmo sabendo que não pode ter impacto (o meu grito não se ouve entre tanta gritaria comercial ou de encher foles): a melhor demonstração do nosso poder de nos expressarmos é negar o evidente e a corrente. Dizemos não à guerra bélica, dizemos NÃO ao fortalecimento da hegemonia. Vamos tomar o poder, vamos lançar a bomba, desmascarar o caos, abreviá-lo com a nossa força até aqui desmobilizada.
Dia 25 de Dezembro de 2007 manifestemo-nos contra a guerra e contra o consumismo. Onde? Nas praças públicas das nossas cidades!
Está proibida a entrada em lojas! E ficar em casa também está proibido!
Vamos acender o rastilho e arremessar a bomba.
Isto há-de cair.
Mais cedo ou mais tarde, ISTO VAI CAIR!
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