Edward W. Soja - A Perspectiva Postmoderna de Un Geógrafo Radical (III)
"Com
alguma surpresa da sua parte, Soja redescobre, já nos anos 90, que Jane Jacobs
também menciona Çatalhüyük no seu texto seminal “A Economia das Cidades” (de
1969), de onde extrai o seu postulado de que as cidades e os processos de
urbanização podem ter sido a fonte primária geradora de criatividade, de
inovação e desenvolvimento social desde Çatalhüyük e durante os últimos 12 mil
anos. Segundo Jacobs, a faísca inicial da vida económica urbana foi a causa
primária de todo o crescimento e mudança económicos, incluindo o pleno
desenvolvimento da agricultura e da pastorícia, além de muitas outras
actividades produtivas especializadas. E não o inverso. É, portanto, o factor
urbano, a existência do urbano, o que gera a mudança e o desenvolvimento
económico (e a implantação da agricultura e da pastorícia) e não o contrário,
se bem que o desenvolvimento da agricultura permitirá a consolidação de uma
população sedentária e de uma economia excedentária tipicamente urbana. Ou
seja, e segundo as palavras de Jacobs: sem as cidades seríamos pobres, já que
não se teriam desenvolvido novas formas de economia e de relação social. Este
impulso economicista de Jacobs que era uma resposta à abordagem historicista e
passiva (fatalista) de Lewis Munford em “A Cidade na História” (1961) cairia durante anos no desprestígio e na
marginalidade (que Soja paraleliza com o menosprezo das propostas de Foucault e
Lefebvre) até ser recuperada muito recentemente pela teoria económica, embora
já sob uma óptica economicista e percebida como uma “externalidade”. Só muito
recentemente as economias da urbanização, entendidas como evocações de
causalidade espacial urbana, começaram a ser aceites como a causa primária do
desenvolvimento económico."
(pp.39-40)
Como pudemos deixar que o espaço socialmente construído não fosse considerado central na leitura das sociedades capitalistas, economicistas, desequilibradas, transformadas e urbanizadas contemporâneas?
Soja já o disse, mas outro argumento, também por ele aduzido, faz todo o sentido:
é que uma das características vitais, inerentes, ao funcionamento do capitalismo
- e todos vivemos afectados por ele, uns em cima, a rirem-se de cachimbo, outros em baixo, a chafurdar no lixo em busca de comida; uns no dito centro, com tempo para os lazeres e o pensamento intelectual e o ócio, outros na por conseguinte periferia a trabalhar (alguns bem-) mais de quarenta horas por semana para continuar a levar pra casa os salários de miséria que nos mantêm coarctados para viver outra realidade que não a de pagar dívidas e sobreviver -
é o direito de propriedade.
Ora, como pudemos descurar que a propriedade é, inicial e essencialmente, espacial, territorial?
Este carácter da propriedade é a primeira forma do exercício do poder.
Imaginem um Banco, uma sede daquelas, central, com edifício de pedra, protegida 24 horas por dia por sentinelas policiais que se revezam na sua mui nobre função... humm... "pública". De proteger os cidadãos, claro está: proteger o poder é essencial, senão ele logo vem com ameaças. Da mesma forma que a crise económica - acusam-nos, a nós consumidores, culpados - é a de temos baixado o consumo... Há que seguir no caminho errado, pois parar faz pensar e isso nunca!
Imaginem um banco desses. Bem, eu já disse para o imaginarem de pedra... mas estão a imaginá-lo do tamanho de um quiosque?
Porque será que não?
Porque o Banco é uma das instituições capitais que regem a forma como vivemos e a de como sobrevivemos, logo, tem de se impor à vista, demonstrar o seu poder, ser credível e respeitado, instituir, portanto, e fazer escola no pensamento das baratinhas tontas (o diminutivo é polissemântico) que somos nós.
Os mendigos são pequenos, não têm poder, não têm voz, passamos por eles a dizer não, a baixar os olhos, a desolhar, a recear caírmos no seu buraco irmão. Vem um polícia manter a ordem e dizer que o senhor cidadão não deve permanecer naquele lugar, que afasta a clientela e um rol de etcetras que evidenciam os valores que lhes disseram para seguir e proteger.
Mas não há polícias, militares, blackwaters ou canhões de água ainda que varram os Bancos: são seus filhos-acólitos e temos de inventar formas outras de contra-opressão e contrapoder.
Olhemos à nossa volta e vejamos onde estão (a palavra-chave é sempre e em primeiríssimo lugar o onde) os poderes. O económico à cabeça, mas o político, que é o seu cão de trela. Vejamos onde estão as pessoas com vencimentos acima de x e onde vivem as pessoas sem vencimentos ou com salário mínimo ou de reinserção:
CARAMBA, será que isso não nos diz nada sobre a centralidade do espaço para uma leitura possível da realidade?
Está claro que não é a única: mas também não podemos ver tudo pela óptica só da economia, nem das classes sociais, nem da história, nem da organização social.
É isso que Soja reitera: ter o espaço ao mesmo nível de importância que a história e os factos sociais.
Esta abordagem integrada acrescenta a tal "terceira dimensão", necessária por exemplo ao pensamento geométrico, que expande as capacidades do intelecto e nos permite, no fundo, uma leitura mais ampla e relacional do caos bruto que se nos apresenta a cada dia.
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