Geografias do divórcio

(Imagem retirada daqui)

Se o amor entre as pessoas é uma relação, o divórcio não deixa de ser também uma relação.
A relação que, por isolamento, alienação ou pela diferença, uma pessoa mantém com o que está à volta do seu corpo.

A diferença pode ser sinónimo de aproximação ou então de afastamento: quando as diferenças são tais que a comunicação se vê dificultada ou mesmo impossibilitada.
A alienação não estará tanto, como sugere a palavra, no "para além de", mas talvez mais no "aquém de".
Na incompreensão e / ou não aprendizagem de que o ser singular o é pelo plural.
Que um ponto no mapa precisa de outros pontos para fazer o mapa, para se fazer ponto e para se fazer ponto no mapa.

Um miúdo a brincar com o seu mini e novo brinquedo-lixo (ou lixo-brinquedo) do ovo "quinder" num chão lajeado de um centro comercial é um exemplo de divórcio. Divórcio entre a prática e o espaço apto para a prática. Entre a necessidade do ludismo e da brincadeira (normais não só na infância) e a possibilidade de a satisfazer, é-nos oferecido, cada vez mais, um espaço impróprio. Com ruído, cores apenas da sobrestimulação do consumo (não da natureza), e centenas de pessoas transformadas em lixo e máquinas, que, pelo lado, ao lado, longe, passam indiferentes.

Outro exemplo de divórcio é traduzido por restos de lixo instantâneo que ficam na berma de uma estrada: que relação de afectividade ou de pertença pode um transeunte (e ainda mais se o é de automóvel - é de mais longe e anda mais depressa...) estabelecer com o lugar onde pára?
Uma relação de desinteresse, meramente funcional: aquele lugar, que não chega a ser lugar, é um depositório do lixo que a sociedade de consumo imediato nos pede para aprovar (na servil condição da compra).


"Manter a distância entre a vida privada e a vida pública."

Que merecem os outros de nós?
Da dor que somos e nos acontece, como ocultar isso àqueles com que queremos relacionar-nos?
Que relação queremos estabelecer com essas pessoas?
Que compromisso e que investimento nos merecem aqueles que mais amamos?
Se somos inteiros, como sermos apenas uma parte para com os outros sem nos trairmos a nós mesmos?
Quanto de nós não estamos a ser numa relação de divórcio?

De onde vêm as diferenças que nos separam e nos exilam do mundo?
- da cultura, que nos singulariza ou nos uniformiza;
- da economia, que nos classifica ou desclassifica.

A biologia, essa, devia unir-nos, contrair uns corpos contra os outros,
Mas é a própria biologia que nos separa, se as necessidades são distintas ou entendidas como tal.
E se entramos em competição de uns contra os outros e recusamos a partilha.
Normal é ao indivíduo cansar-se, num ciclo de períodos mais ou menos duradouros.

A este respeito, cabia verificar onde se dão mais divórcios (i.e., fim dessa "instituição" que é o "casamento", seja ele religioso ou civil - porque apenas nos referimos ao que fica "no papel", alvo de estudos) e, também - por causa desse cansaço do próprio cansaço biológico (logo, da necessidade irreprimível de afecto e sociabilidade) - quantos desses divórcios chegam ao fim (i.e., "casamentos" reatados).

A este respeito, também, por causa da partilha, importa questionarmo-nos, de uma vez por todas (não, de uma vez por todas, darmos a resposta - isso é diferente) se amarmos uma pessoa (ou vivermos com uma pessoa) é realmente suficiente.
Há povos em que 1 (um) homem é casado com mais que 1 (uma) mulher.
Haverá povos em que 1 (uma) mulher é casada com mais que 1 (um) homem?
Haverá identificação nalgum desses povos?
Há alguma coacção sentida por algum desses homens ou por alguma dessas mulheres?


Aquilo que está dentro de nós é comunicável:
- metamorfosea-se em actos e posturas;
- edifica-se em instituições e relações.
(sendo uma dessas "instituições", precisamente, a lei do casamento; outra, a da poligamia, que não sei se é realmente a mesma coisa - nem estamos a querer dizer que são a mesma coisa)


A comunicação requer capacidade de expressão e capacidade de entendimento. De ambas as partes.
A interpretação varia com a cultura e com a biologia.

Há um divórcio entre:
o "Norte" e o "Sul";
o "Litoral" e o "interior";
os "ricos" e os "pobres";
o homem e os "outros" animais;
o homem e a Terra;
o "global" o "local";
os "cidadãos" e os "seus" "representantes";
os que gostam de ver notícias sobre o último "aifone" e os que não querem saber do que se passa no "Darfur" (- O que é que se passa no Darfur?)
...

Porque cada um está entretido e ocupado, ou preocupado, com o "que lhe diz respeito".

Mas não poderá haver justiça se não houver diálogo entre as partes.
Porque a maior justiça é a identificação, a adequação e a partilha das partes.

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