Os Executores
A noite passada um paredão emergiu e eu senti que me afundava.
Afixaram a propaganda em todas as paredes
para dar de comer aos olhos dos papalvos,
que para isso os mandaram ir à escola.
Aos poucos se foram dirigindo para a praça pública.
Estavam lá e estavam espalhados,
desconhecendo os porquês de não estarem sozinhos,
mas assim continuando.
Os caídos paravam pelos cantos
pedindo a moeda dos outros.
O seu maior erro foi acreditar
e isso é algo muito profundo
com que se brincar.
Aos poucos uma e outra arma
a eles apontada
arma-partida-perdida
de todo o lado erguida pelo pelotão invisível.
E o medo a instalar-se
ergueu paredes por dentro dos corpos
Cada vez mais nítidos, identificáveis, concentrados,
culpados, os caídos juntavam-se mais,
como combatendo um frio que não parava de vir.
A única forma de escaparem era
pagarem para sair daquele buraco,
mas era precisamente a eles a quem isso era negado,
sem moeda para que os entendessem.
E homens chegaram e se puseram
atrás das armas (por quem?) apontadas.
De olho na mira, tapado.
O outro, fechado
e eram anónimos,
sem identificação
ou apelo possível.
Mas já nada disso interessava.
Armas-pinkerton,
pistolas-panópticas do medo
que petrificam os corpos.
Milhares de armas
assim apontadas na praça pública
assim transformadas em campo de concentrados.
Os pobres corpos
sem protecção
amalgamavam-se, todos iguais,
numa massa cor-de-creme.
E quando um momento certo
chegou, alguém deu ordem para abater
e o gado do interior usava os corpos de fora como escudos.
No vórtice do metralhar sem descanso
os golpes perfuravam, certeiros,
Unidos por baionetas sem tempo
eram espetadas no fogo cruzado.
E os que estavam à volta
iam passando, indiferentes,
E cavavam trincheiras
cada vez mais fundas,
cada vez mais longe do mundo
para se abrigarem
dos estilhaços que choviam.
Num grito de raiva
vociferavam todos os executores
VÓS SOIS O MILAGRE ECONÓMICO!!!
e nos seus esgares riam
como trovões contínuos.
EU SOU O SISTEMA, gritavam, irados,
e assim se sentiam fortalecidos no seu poder.
Prescindiam dos pobres humanos pobres
não prescindindo de os chacinar.
E os caídos nunca chegaram
a saber dos porquês:
eram o milagre económico.
Nós somos executores, hierarquizados,
cumpridores,
estrategicamente distribuídos.
Em cada cidade uma praça pública.
- Todos os quarteirões foram privatizados,
restam as vias e as praças públicas,
onde podem penar, pernoitar, sangrar livremente,
a cada dia,
os caídos.
A justiça virada do avesso,
feita crime sob forma de lei a executar
na sociedade fascista.
São perigosos os grupos assassinos
que emergem na sociedade,
sempre à espreita,
prestes, prontos para atacar,
esquadrões da morte
com as mãos à espera nos coldres
e nos lança-chamas para limparem as cidades.
Já não são perigosos,
já deixaram de ser perigosos
os executores que fazem escola
e são organizados e previsíveis,
para eliminar não a pobreza mas os pobres.
São anónimos
Não lhes vemos os olhos.
Uns não se salvam,
outros, por eles, por isso,
são saneados.
"E tu ficas aqui
e tu morres aqui
e daqui ninguém sai!"
A noite passada foi um sonho mau que não passou.
Somos anónimos
e não nos vemos nos olhos.
Afixaram a propaganda em todas as paredes
para dar de comer aos olhos dos papalvos,
que para isso os mandaram ir à escola.
Aos poucos se foram dirigindo para a praça pública.
Estavam lá e estavam espalhados,
desconhecendo os porquês de não estarem sozinhos,
mas assim continuando.
Os caídos paravam pelos cantos
pedindo a moeda dos outros.
O seu maior erro foi acreditar
e isso é algo muito profundo
com que se brincar.
Aos poucos uma e outra arma
a eles apontada
arma-partida-perdida
de todo o lado erguida pelo pelotão invisível.
E o medo a instalar-se
ergueu paredes por dentro dos corpos
Cada vez mais nítidos, identificáveis, concentrados,
culpados, os caídos juntavam-se mais,
como combatendo um frio que não parava de vir.
A única forma de escaparem era
pagarem para sair daquele buraco,
mas era precisamente a eles a quem isso era negado,
sem moeda para que os entendessem.
E homens chegaram e se puseram
atrás das armas (por quem?) apontadas.
De olho na mira, tapado.
O outro, fechado
e eram anónimos,
sem identificação
ou apelo possível.
Mas já nada disso interessava.
Armas-pinkerton,
pistolas-panópticas do medo
que petrificam os corpos.
Milhares de armas
assim apontadas na praça pública
assim transformadas em campo de concentrados.
Os pobres corpos
sem protecção
amalgamavam-se, todos iguais,
numa massa cor-de-creme.
E quando um momento certo
chegou, alguém deu ordem para abater
e o gado do interior usava os corpos de fora como escudos.
No vórtice do metralhar sem descanso
os golpes perfuravam, certeiros,
Unidos por baionetas sem tempo
eram espetadas no fogo cruzado.
E os que estavam à volta
iam passando, indiferentes,
E cavavam trincheiras
cada vez mais fundas,
cada vez mais longe do mundo
para se abrigarem
dos estilhaços que choviam.
Num grito de raiva
vociferavam todos os executores
VÓS SOIS O MILAGRE ECONÓMICO!!!
e nos seus esgares riam
como trovões contínuos.
EU SOU O SISTEMA, gritavam, irados,
e assim se sentiam fortalecidos no seu poder.
Prescindiam dos pobres humanos pobres
não prescindindo de os chacinar.
E os caídos nunca chegaram
a saber dos porquês:
eram o milagre económico.
Nós somos executores, hierarquizados,
cumpridores,
estrategicamente distribuídos.
Em cada cidade uma praça pública.
- Todos os quarteirões foram privatizados,
restam as vias e as praças públicas,
onde podem penar, pernoitar, sangrar livremente,
a cada dia,
os caídos.
A justiça virada do avesso,
feita crime sob forma de lei a executar
na sociedade fascista.
São perigosos os grupos assassinos
que emergem na sociedade,
sempre à espreita,
prestes, prontos para atacar,
esquadrões da morte
com as mãos à espera nos coldres
e nos lança-chamas para limparem as cidades.
Já não são perigosos,
já deixaram de ser perigosos
os executores que fazem escola
e são organizados e previsíveis,
para eliminar não a pobreza mas os pobres.
São anónimos
Não lhes vemos os olhos.
Uns não se salvam,
outros, por eles, por isso,
são saneados.
"E tu ficas aqui
e tu morres aqui
e daqui ninguém sai!"
A noite passada foi um sonho mau que não passou.
Somos anónimos
e não nos vemos nos olhos.
Francisco de Goya
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