O projecto Nautilus Island em Vale do Lobo

Quando o assunto em debate é “Erosão Costeira”, por diversas vezes, dou como exemplo, a praia de Vale do Lobo. No entanto, nunca dei especial atenção aos projectos de protecção costeira que estão a ser defendidos para aquele aldeamento turístico algarvio, pois pensava que eram “projectos de brincadeira”. A minha forma de pensar, se calhar, estava errada, mas se calhar, era melhor que todos “pensassem como eu” e não tentassem levar avante projectos como o de Nautilus Island.

Ontem, na última edição do jornal Barlavento (08.02.07), este projecto foi notícia de primeira capa: LNEC e Instituto de Hidráulica avaliam projecto de ilha de Vale do Lobo que ‘não existe’. (Consultar p. 16 e 17 do artigo em anexo).

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O projecto, no qual apelido de “Ilha do Entulho” (será preciso bastante deste, para levar projecto avante), irá roubar cerca de 100 hectares ao mar e ficará localizado a 500 metros da costa.
Longe vão os tempos em que se encontravam grandes conchas e búzios nas praias algarvias, então o projecto imobiliário tem a solução, pois a sua arquitectura dá a ideia que são duas enormes conchas que se encontram ao largo da praia de Vale do Lobo.
A ilha será acessível por ponte, teleférico, túnel subquático (para os praticantes de golfe deslocarem-se nos seus buggies), um heliporto (obra muito importante, devido ao intenso trânsito que se irá registar na ponte e no túnel) e um ancoradouro para quem chegar de barco. (O transporte ferroviário foi pensado, mas depois alguém se lembrou que era um transporte demasiado poluente).
À superfície do “entulho”, estão projectadas entre 700 e 1000 moradias. Prevê-se que os seus moradores sejam todos jogadores/apostadores, adeptos de casinos e de golfe, e por isso, no projecto está prevista a construção de um luxuoso Casino e de um campo de golfe de 18 buracos (espero que não metam água), desenhado pelo famoso arquitecto Rocky Roquemore.
A área submersa, ou seja, para “peixe ver”, será construído um Hotel (um Humanário para os peixinhos) e um Restaurante (uma óptima decisão para quando na ementa for Peixe).
O investimento total será de 1,5 mil milhões de euros (depende do preço da pedra e do entulho. Se for em época de saldos pode ficar por metade!).

O projecto, o sonho, a loucura, a utopia, está assim apresentada! (Ver figuras em anexo)
Imagens retiradas do Mapa de Vale do Lobo

Imagens retiradas do Mapa de Vale do Lobo Imagens retiradas do Mapa de Vale do Lobo

Quando penso na “Ilha do Entulho”, penso:
-O Homem vive da imaginação para atingir a criação!
-Dos sonhos surgem realidades! (neste caso esperamos que não)

Devem ter sido pensamentos como estes que o empresário holandês Sander Van Gelder (ex-patrono de Vale do Lobo) pensou quando apresentou a sua ideia de investimento para Vale do Lobo. E o melhor de tudo, é ele defender este projecto como a única solução para a protecção da costa. Se fosse para proteger a costa, o aldeamento turístico de Vale do Lobo nunca devia ter avançado!

RM, 11.04.03 RM, 04.02.07

Antes e após as obras de assoreamento.

(Ah! Na década de 60/70 mal ouviam falar de erosão costeira).
É bem verdade que o planeamento e o ordenamento da orla costeira não se fez como deve ser. A construção de uma Marina (Vilamoura) e a construção dos esporões de Quarteira, a poente, vieram interromper o normal funcionamento da deriva litoral, no que resultou, na diminuição do balanço sedimentar nas praias, a nascente, como Forte Novo, Almargem, Trafal, Vale do Lobo, Ancão, Quinta do Lago.
Sabendo desta realidade, os novos responsáveis do Empreendimento Vale do Lobo afirmam que o Estado errou, e querem que este não se esqueça deles. Promovem o projecto, “Ilha do Entulho”, em tudo o que é imprensa, junto de entidades públicas e privadas. Fazem verdadeiras “operações de charme” (digo eu) para exercer pressão junto dos governantes, e quem sabe, o projecto se torne um PIN (Projecto de Interesse Nacional).*

“A natureza não criou nenhuma ilha frente a Vale do Lobo (...) Agora querem introduzir um novo elemento artificial no mar, que não deixa de ser um obstáculo, só para gerar lucros momentâneos, sem se conhecer os efeitos futuros desta construção? O presidente da Câmara de Faro já se manifestou contra. Outras entidades devem pronunciar-se rapidamente, para que não haja pressão em Lisboa e ainda sejamos confrontados com mais um PIN. Com a natureza não se brinca.”

In Barlavento, 08.02.07, p. 3.

Mesmo conhecendo factos passados e dados científicos, querem construir em pleno mar uma ilha artificial, sabendo que irá afectar toda a costa a sotamar do projecto. A ilha de Faro, certamente, via a sua situação agravar-se, e restantes ilhas da Ria Formosa iriam desaparecer.
A praia de Vale do Lobo já por duas vezes (que me lembro) recebeu obras de assoreamento: a primeira, em 1998 (comparticipada pelo Estado), a última, em 2006 (sem ajuda do Estado).
RM, Março de 2006Em 2006 (ainda na memória) assisti, ao vivo, ao avanço das obras de reposição do areal. Fiquei surpreso com o que vi. Para se proteger uma praia (a de Vale do Lobo), destruíram a praia ao lado (a do Trafal). A empresa encarregada das obras montou o seu “pequeno estaleiro” em cima de cordões dunares (bastante fragilizados), e todo o processo de montagem da tubagem, que iria bombear a areia do "alto mar" para a praia de Vale do Lobo, foi realizado ao longo da praia do Trafal. Lá andava a maquinaria pesada, para um lado e para o outro, sem se aperceberem do que estavam a fazer. O CCDR “nada viu” e nada fez.
RM, Março de 2006A praia do Trafal tem sofrido, nos últimos anos, de erosão costeira. Os cordões dunares estão a desaparecer, devido aos constantes galgamentos registados durante as marés vivas de Inverno e ao constante pisoteio de transeuntes. Esta praia e outras (como as de Almargem e Forte Novo) não recebem qualquer tipo de medidas de protecção.
Porque não, colocar paliçadas nas dunas fragilizadas? Porque não repor o areal nestas praias? Faria mais sentido, pois estas encontram-se a poente de Vale do Lobo. Se a corrente marítima é de Poente para Nascente, estaríamos a repor o areal para toda aquela zona costeira, entre Forte Novo e Vale do Lobo. Tal como nos diz, no artigo do Barlavento, o Prof. Alveirinho Dias: “O assoreamento deveria ser feito em Forte Novo e não em Vale do Lobo, e se todos beneficiavam com isso, então todos deveriam pagar, públicos e privados”.
Será por estas não terem população rica a morar em mansões ameaçadas pela erosão? Ou será mais importante proteger campos de golfe do que zonas públicas (para já) de pinhal e zonas húmidas, como a da Almargem?
O que faz a CCDRAlgarve? O POOC avança ou não avança?

RM, Dezembro 2005 RM, Dezembro 2005

Em Dezembro de 2005, no âmbito do POOC, na praia da Almargem, demoliram o Restaurante Cavalo Preto. Foi um aparato de entidades: CCDR, Junta, CMLoulé, Empresa Dias Verdes, etc. Pensei: Será que é desta que o POOC avança? Que ideia a minha... até parece que não sou português e não conheço o país e a região em que vivo! Hoje, já não penso em nada...

Para finalizar, e voltando ao projecto “Ilha do Entulho”, penso que será muito mau para o Algarve um projecto destas características, por tudo aquilo que mencionei e que é sabido por todos.

* Já uma vez aqui disse que, por vezes, os PIN se confundem com os CONES.
PIN – Projecto de Interesse Nacional
CONES – Projecto de CONstrução ESpecial

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