Com tranquilidade

Um dos poucos programas que ainda fazem qualquer coisa parecida com serviço público televisivo, passa todos os dias úteis na DOIS, a horas (APENAS) para velhinhos e donas de casa ver, embora, já se sabe, ninguém corre esse risco, preferindo a saloiice do Portugal no coração, ou a ficção noveleira. Referimo-nos a Sociedade Civil, magazine de debate em directo que vai para o ar cerca das 14h.

Hoje, a temática passava pelo Futuro do mundo rural. A primeira questão no meu entender é se ainda existe um mundo rural, aquilo a que grande parte das pessoas associa a agricultura, “parolice”, ou ainda a visão romântica, herdada do Séc. XIX, de campo. Pensamos que a visão terá forçosamente de ser global, no sentido sócio/cultural, mas também económico e ao nível dos serviços. P.e. Nuno portas defendia recentemente que o mundo rural não fará sentido se não o analisarmos como um prolongamento do espaço urbano e da cultura urbana (telemóvel, roupa, música). É de realçar, no entanto, que o contrário também será válido, muito do rural no bom e mau sentido refugiou-se no espaço urbano, nos subúrbios, reflectindo-se na forma como se vive e convive nos apartamentos e num conjunto de comportamentos ditos “rurais” na cidade, característicos de uma certa modernice saloia, deslumbramento e, não raras vezes, um desenraizamento sociológico.

Voltando ao programa, falou-se muito de agricultura, do novo quadro de apoio ao desenvolvimento rural, da transferência de população do interior para o litoral, entre outros. Um dos pontos fulcrais da conversa prendeu-se com um tema, hoje por hoje, já esquecido na esquizofrenia das notícias: O Alqueva. Este projecto faraónico, amplamente discutido (?), alicerçado em estudos internacionais e que abrangiam o desenvolvimento agrícola, ambiente, turismo, blá, blá, tem mais de dez anos e ainda hoje, já num quadro comunitário diferente, se discute o famigerado “para quê” e “como”??

Afinal, o que está subjacente ao Alqueva é um plano agrícola, sustentado social e economicamente, assente numa (pensada) dimensão ecológica ao nível da política (desgaste) dos solos, da gestão dos consumos e das competências?
Ou o objectivo deste imbróglio esgotante estará relacionado com o número de camas, hotelaria, turismo de luxo para velhinhos do Norte da Europa praticarem golfe?
Existe uma política turística direccionada para o desenvolvimento da região devidamente sustentado no (necessário) marketing territorial e reais interesses da população? O objectivo não passa por fixar populações, atrair investimento e emprego? Estas questões ficam para o debate sobre este e outros assuntos relacionados com grandes obras (estádios, OTA; TGV).

Acresce que no caso particular do Alqueva saltam às vistinhas os custos. Os custos da obra, infra-estruturas, planos, expropriações, blá, blá. Mas também os custos futuros da UTILIZAÇÂO da ÁGUA para a agricultura e regadios. E os custos AMBIENTAIS, a montante e a jusante, para não falar do gigantesco espelho de água, fosso de proliferação de espécies infestante e outros problemas.

Quem vai poder pagar a água para a agricultura? Segundo alguns dos intervenientes do programa, muito poucos. Hum, que vos parece ser o destino?

Mais, quem garante a qualidade das águas, principalmente a montante, e nomeadamente em território Espanhol (conhecemos o seu sistema intensivo e consequências)?
Curiosamente (ou talvez não) são precisamente os Espanhóis os mais interessados (e com dinheiro) no projecto. Os nossos agricultores e investidores têm pouca cultura de risco, dirão. Mesmo que tivessem, e alguns terão (noutras actividades, há dinheiro, como se verá), mas os pequenos e médios agricultores Alentejanos…ou a coisa não é para eles?
São estas políticas (des)norteadas, demagógicas e populistas, com estudos e mais estudos que se perdem na memoria (curta) e na profundidade do tempo sem rosto.
Ademais, já pouco se fala do assunto.

Num último espasmo, a agricultura ligada à máquina dos subsídios e à implantação experimental (!) de modelos (como em tudo, em Portugal) estrangeiros, ainda os seus melhores e mais férteis solos situados em zonas urbanas e peri-urbanas, tragados com uma violência raivosa em nome de um suposto desenvolvimento bacoco e de um urbanismo desbocado ao serviço da retro escavadora. Com tranquililidade.

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