Educação, Obras Públicas e ...Geógrafos

Nem tudo aquilo que parece é (ou quase nunca). Mas todos sabemos que não basta ser a mulher de César, é imperativo parecê-lo. Nesta ambivalência (cruel), vivemos em Portugal, e serve para praticamente tudo.

Assistimos recentemente à (nova?) aposta do governo na educação e (re)qualificação profissional, uma espécie de tratamento de choque inovador e temerário. Nada de novo (embora bem publicitado), sem discutir a politica em causa, nem interessa. Outros governos recentemente (últimos 20 anos), com maioria, ou quase, despertaram e apaixonaram-se, hasteando a bandeira da modernização, educação, qualificação. E com modelos, é sabido! Antes da Finlândia, a Irlanda (entre outros), no século XIX a Bélgica, e anteriormente, a França, que até enviou uma data de académicos para pensar e modernizar Portugal. Nada que (ainda hoje) não seja necessário.

Mas…nem tudo o que parece…embora pareça, realmente…
Afinal, ficamos a saber que o novíssimo QREN (quadro de referência estratégico nacional 2007-2013), sucessor dos “famigeradosQCA (quadros comunitários de apoio - I,II,III), onde já se programavam as transformações na educação e qualificação dos portugueses, “aponta” para a educação e qualificação (claro!), mas sobretudo, para as obras públicas, ou melhor, para as grandes obras públicas. Não podemos viver sem elas, e sem as maiores “francesinhas” do mundo, sem a maior árvore de natal da Europa…

De facto, a aposta na educação, quase nove mil milhões de Euros, fica muito aquém p.e, dos mais de onze mil milhões (previstos!?) para a OTA e o TGV. Já aqui falamos da OTA, e quem estudou e conhece o nosso país, não entende, nem em termos estratégicos, de custos, ou mesmo ambientais, esta decisão. Relativamente ao TGV, vários técnicos (entre eles muitos geógrafos) interrogam-se do porquê desta iniciativa, num país onde se encerram ligações ferroviárias todos os anos, onde na linha do Minho, ainda hoje, não é possível a circulação de Inter-cidades, e a distância – tempo de uma viagem entre Viana do Castelo e Porto praticamente não sofreu alterações significativas nos últimos 25 anos. Onde a circulação rodoviária se resume ao automóvel com as ligações de BUS a serem suprimidas por não serem “ rentáveis”. Num país onde não se aposta seriamente no transporte ferroviário de mercadorias (ao contrário do resto da Europa), onde não existe um modelo sustentado e pensado de planeamento inter modal de transportes, e uma estratégia de diminuição da circulação do automóvel. Vamos assim mesmo, optar pelo maior, pelo mais dispendioso e vistoso, obviamente o resto ficará na mesma. Isto para não falar dos custos, absolutamente incomportáveis para um país como o nosso. A isto chama-se começar o edifício pelo telhado.

Recentemente numa conferência/workshop onde estive presente com o Eduardo, abordou-se, no âmbito da temática da “prospectiva: conceitos básicos e aplicações do global ao local”, a problemática do planeamento (ou da falta dele), e a necessidade de pensar a longo prazo, estabelecendo cenários possíveis, de forma objectiva e sustentada (tudo aquilo que NUNCA se faz). No decorrer da conversa, um dos responsáveis do “Departamento de Prospectiva e Planeamento do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional”(uf), falando da realização de estudos prévios para que se possa planear (e os políticos decidirem), referiu-se a um desafio feito ao departamento, para que se procedesse a uma análise e “prospectiva” futura para Portugal após a queda do muro de Berlim. Que caminho, ou caminhos, seguir, tendo em conta o novo mapa geopolítico e económico da Europa e a entrada de novos “actores”na cena Internacional. Projectaram-se várias possibilidades, referindo-se, desde logo, a necessidade de (re)qualificação dos quadros e das empresas, mudanças no tecido industrial tendo em conta a concorrência, aposta na qualidade e diversidade, trabalho em conjunto das regiões, bla, bla. Resposta politica: aposta nas florestas e turismo (a que acrescentarei as grandes obras públicas, auto-estradas). Não viram já este filme?

Neste sentido, qual o papel do Geógrafo e do especialista em planeamento, num país onde pura e simplesmente se pensa, apenas e só, no presente, no lucro imediato, e onde a memória, ao contrário do elefante, é efémera e condescendente? Contrariamente aos países Anglo-Saxónicos, onde o geógrafo assume não raras vezes a direcção dos gabinetes de planeamento, participando activamente na teorização da sociedade e respectivos impactes espaciais, nos novos e velhos espaços e na sobreposição de vivências e signos, reflectindo sobre um mundo onde o espaço/tempo se estilhaça a cada momento, perdemo-nos nós, num afã constante de grandes obras para grandes ruínas.

Não estamos sozinhos a dizê-lo:

Em Portugal, o que estava previsto e planeado quase nunca aconteceu, e o que aconteceu quase nunca foi previsto e muito menos planeado. Por isso, tudo aquilo que verdadeiramente se passou, desde a industrialização até à urbanização, passou-se "desordenadamente", à revelia dos planos e mesmo fora da lei. Até hoje, os governos andaram sempre a tentar mudar o país em meia dúzia de anos. Talvez fosse preferível tentarem compreendê-lo.

Rui Ramos (Historiador) in Publico 24-01-07

Comentários

Rogeriomad disse…
Tinha muito a comentar sobre este artigo... mas estou sem tempo...

Se referes as condições da linha ferroviária do Minho, o que devem dizer os transmontanos, alentejanos, os algarvios?
Considero os Minhotos num primeiro e até num segundo grau de desenvolvimento em termos de transportes.

Os suburbanos do Porto já abrangem terras minhotas...
No Minho há ligação ferroviária com a Galiza. E o Algarve, será que tem ligação com a Andaluzia?
E o que dizer de outras regiões...

Fui recentemente ao Alentejo e vi linhas ferroviárias abandonadas... estações encerradas e em ruínas...
escolas a cair de podre... património vandalizado e esquecido...
uma região cada vez afectada pela desertificação...

Anuncia-se investimentos em Sines, Alqueva, Moura e Serpa. Será que é desta que o Alentejo acompanha o barco de desenvolvimento(aparente)?
Rogeriomad disse…
Ah!
Em relação à aposta do Governo na Educação...
Ainda sou um jovem, mas já oiço essa treta há vários anos!!!
O meu pai sempre me disse que todos (governos) apostam na Educação...

Por vezes aposta-se mas não se ganha... perde-se!
Rogeriomad disse…
Em relação à OTA e TGV...
Não sou um especialista no assunto, nem estou a par dos projectos (o que sei é através Comunicação Social) mas considero projectos importantes para o país... nem que seja para dar trabalho aos operários da construção civil. Com estas obras já escusam de ir trabalhar para Espanha... ;P

Além disso, se não forem obras como estas (mais autoestradas) o que será da Somague, Mota Engil, Soares da Costa, etc...
Teriam que deixar de apostar/investir no país de origem para investir (continuar) no exterior...

As maiores empresas nacionais estão ligadas ao ramo da construção e das telecomunicações! Convém continuar alimentar o papo a estas, pois se não são elas... o desemprego aumenta ainda mais...
A economia não cresce... blá blá...

E quando se fala nestes 2 projectos, também, podemos colocar no mesmo saco... os mais de 50 projectos PIN...
Um PIN ali, outro acolá...
Tudo é PIN (Projecto de Interesse Nacional)!
Ou serão CONES?
projectos de CONstrução ESpecial!

Entre PIN e CONES...
Escolho CONES!
O termo parece-me mais ajustado...

Quem é que acredita que tal hotel, da cadeia hoteleira tal, é um projecto de interesse nacional?
Só porque dá emprego (supostamente) à população local?

Recentemente abriu mais um Hotel no Algarve...
Fui pedir emprego e disseram-me que não precisavam porque já vinham todos do Norte do país ou do estrangeiro. Enfim...

Ah! (Começo a pensar...)

Os hóspedes daquele Hotel PIN costumam comer no "Restaurante Ti Anica"...
Isso já ajuda a melhorar a vida da população local.
Como o Restaurante tem mais clientes, precisa de encomendar mais frangos ao "Talho da Chaminé Branca"...
como o talho vende mais frangos, precisa de encomendar mais frangos ao "Aviário Galogarve"...
como o aviário vende mais frangos, tem de aumentar a produção... se aumenta a produção tem de encomendar mais comida à "Quinta ToniMilho"... etc...

Ah! Ok... é por isto que são considerandos PIN.
Agora compreendo!

Mas se pensarmos que são CONES.
tudo muda de figura...

Projectos de CONstrução ESpecial, não precisam de acatar as regras dos instrumentos de Planeamento e Gestão Urbanística. Podem contornar a lei a seu belo prazer... construir em reservas naturais, na costa litoral, na floresta preservada, etc...
Já por isso são especiais...
Tudo depende do dinheiro que têm.
O projecto até pode não ser nada de especial, mas havendo dinheiro pode avançar e tornar-se um CONE!

Por exemplo, o José Armando, filho de Serafim Armando, tem um bom terreno na serra algarvia queria lotear mas não lhe deixam (Um procedimento correcto). "Luís Figo" comprou o terreno a José Armando, passado dois anos surgirá um Hotel de 5 estrelas com SPA, mini-golf, Piscinas (verdadeiras olimpicas), etc...

Os CONES são isto...

Grande Abraço

Afinal tive tempo...
para comentar...

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