Estes estranhos nomes... (IV)

Recomecemos a viagem pela nossa terra. Que dizer de um país onde é perfeitamente possível ir de Cabeça Perdida (em Portimão) para a Cornalheira (em Meda)? Como é que os habitantes de Cabeça Perdida conseguem aguentar as piadas dos forasteiros que perguntam de onde é que eles vêm (“Nós vimos de Cabeça Perdida”) só para lhes poderem dizer “Está bem, filhos, mas aqui tenham calma, que não estão na vossa terra” e porem-se todos a rir dos pobres desgraçados de Cabeça Perdida.
Em Ponte da Barca há um lugar cujo nome dispensa os habituais apelos camarários do estilo “Este jardim é seu, conserve-o” ou “Este jardim é nosso - ponha-se a andar!”. Chama-se Cuide de Vila Verde. O problema é que há outras aldeias chamadas Vila Verde para cuidar e a única maneira de ser absolutamente claro é dizer “Cuide de Cuide de Vila Verde”. Há até nomes de terras que parecem títulos de LPs de cantoras portuguesas rascas, como Cima de Pele (Famalicão).
Blearggh!

Nesta linha pretensiosa há alguns lugares que parecem títulos de livros de poesia de terceira ordem, daqueles que agora abundam, com poeminhas muito limpinhos e sérios. Como Nave e Casas (em Loulé). E quem não chamaria um figo a Nave de Haver (em Almeida), a Água Longa (Paredes de Coura), a Entre-Ambos-os-Rios (Ponte da Barca) ou a Logo de Deus (Coimbra)?
Os nomes de que eu mais gosto são aqueles que se devem a quem não esteve para pensar muito. No concelho de Angra do Heroísmo há lugares que, numa admirável atitude de indiferença filosófica, se definiram pelos lugares que lhes estão próximos. Assim, temos Das Quebradas ao Solto e depois Do Solto às Duas Ribeiras, Da Ribeira do Mouro à Canada da Praia e Da Ribeira do Mouro à Canadinha. De facto, porque é que se hão-de complicar as coisas? Não é mais claro, por exemplo, dizer De Algés a Belém em vez de estar a insistir no confusionismo chauvinista de Pedrouços? No continente, onde cada terreola se acha com suficiente importância para merecer um nome só para ela, os únicos lugares que mostram um enfado aristocrático com a onomástica são sítios como Entre Bouças (Braga), Entre Latas (Guimarães) e Entre Valas (Soure). O nome mais notável de todos, guardo-o para o fim e vem, obviamente, dos Açores. É Caminho para Além (Angra do Heroísmo). Como quem diz “É um sítio que fica no caminho para outro”. É pena não haver prémios.
Para que o concelho de Angra do Heroísmo não se fique a rir, lembremo-nos de um lugar que há lá que soa pior ainda que a Buraca e Chelas (Lisboa) ou que Vilar de Porro (Ponta do Sol) - já alguém pensou no que seria passar uns dias connosco à Grota da Chouriça? Que amigos responderiam ao convite “Venham passar uns dias à Grota!”. É que O de Grota, para além da Chouriça, torna impossível uma resposta afirmativa.
Por outro lado, é inegável que a Angra tem os nomes mais estilosos. Compare-se o estilo continental com o insular. Em Famalicão, conta-me um amigo, há uma terra chamada Nine, porque dantes correspondia ao quilómetro Nove (em Inglês, Nine) da linha férrea. Na Angra do Heroísmo, num golpe de inspirada secura que só faz lembrar o bom gosto de Noel Coward, há um lugar chamado Às Nove. Só faltam os coctails! (Também há dois sítios na Angra do Heroísmo chamados Às Dez, mas, não sei porquê, não soam tão bem.).

(Está quase a terminar esta divertida crónica de MEC, extraída da compilação "Explicações de Português", 2ª ed - Novembro de 2001, Assírio & Alvim, pp. 231-241.)

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