Critérios sem água benta!


Ao contrário das convicções dos estatísticos censitários, a arte, a cultura e a finalidade política, não os números, é que definem uma cidade.

Lewis Mumford

A temática Maternidades, urgências, escolas, entre outros, menos falados por estes dias, é uma questão de Ordenamento de território; não pode, por isso ser observada e delineada, à luz de (apenas) critérios quantitativos baseados em estatísticas, ou parâmetros meramente economicistas. O seu país é outro.
Tempos atrás ouvi um especialista Americano afirmar, (já aqui o referi) que Portugal não teria um problema de saúde mas de transportes. E de estratégia, dizemos nós.

Relativamente aos transportes, vias de comunicação e planeamento regional a coisa não é nova, mesmo nada nova. No séc XVIII e XIX, segundo Joel Serrão Quanto a estradas, havia-se ficado pela de Lisboa a Coimbra (fins séc XVIII), posteriormente prolongada até ao Porto (meados séc XIX), e pela que, através do Alentejo, ligava a Aldeia Galega a Badajoz, por onde circulavam a mala-posta e as diligências que transportavam o correio e alguns poucos viajantes e despendiam dois dias no percurso de Lisboa a Coimbra e mais dois para o Porto. (Temas Oitocentistas, II). Todos os viajantes estrangeiros confirmam a situação, quanto a viajantes portugueses…

Qualquer acção política ou governativa requer o reconhecimento das especificidades do território, reflectindo não apenas a situação socio-económica, mas também a sua raiz cultural e a sua geografia da percepção (personificada no bairrismo, na demarcação do território), e no sentido de lugar. Mesmo a percepção total do território, difere, e muito, de lugar para lugar e, não menos importante, a definição de interioridade reflecte fenómenos territoriais e espaciais, sociais e económicos (inegável) mas também valores mentais. É caso para dizer o “Interior” está dentro de nós, é uma imagem predefinida, um estado mental, que condiciona e é condicionado.
Este estado cognitivo é fundamental para percebermos, pelo menos, parte do problema.

Sendo Portugal um rectângulo estreito (250 km no máximo), e mesmo tendo em conta o nosso isolamento histórico, geográfico e condicionantes ao nível dos recursos, convém dizer que normalmente já assistimos a fenómenos de interioridade a pouco mais de 50 km do litoral, ditados por factores económicos e sociais, ausência ou concentração de equipamentos culturais, relação distância - tempo para chegar a determinados locais; mas também, assumamos de uma vez por todas, a existência de um “interior” dentro de nós (passe a redundância), com raízes históricas profundas.

Se olharmos Elvas da nossa perspectiva, é definitivamente interior, segundo vários indicadores. E Badajoz, segundo factores geográficos e territoriais não é interior? E relativamente a outros indicadores?... O sítio, a situação são o que fizermos deles. Badajoz não é interior é “exterior “, a nós, claro.

Dos bairrismos basta tentar imaginar o europeu de futebol em Guimarães ficando Braga de fora ou vice – versa. Conseguem imaginar? Transportem essas velhas rivalidades para concelhos, freguesias, aldeias, mas também o famoso Norte/Sul. No caso particular das escolas (e centros de saúde), sabemos de casos relativos a populações de freguesias com 300 habitantes e respectiva escola primária (Barcelos, Braga, Guimarães), que se recusavam, mesmo com poucos alunos, mesmo a curta distância, frequentar outra escola a pouco mais de 500m. E isto passa-se, relativamente ao saneamento, ruas, infantários, e o diabo a quatro. Temos a questão bairrista e a questão de habituação, a rotina, as políticas locais demagógicas etc…E temos também necessidades especiais das populações em muitos casos envelhecidas, condicionantes geográficas importantes e, pasme-se, rivalidades até nas forças da paz, bombeiros e protecção civil.

Obviamente, à luz da reorganização e afectação de recursos, da racionalidade na organização territorial, torna-se necessário encerrar algumas escolas e determinados equipamentos. Obviamente, tudo deve ser conduzido de forma a sustentar o sustentável. O estado não se pode abster da sua responsabilidade, pelo menos, como garante de imparcialidade (duvidoso) e solidariedade social (depende), não reagindo apenas a critérios empresariais. Não se pode querer fixar população, atrair investimento e qualificação com uma mão milagrosa, e com a outra fechar a porta da rua, serventia da casa.

Ou teremos outras intenções milagrosas?...

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