O sistema perfeito

- No sistema perfeito, as manifestações têm de ser marcadas com x dias de antecedência: podeis manifestar-vos à vontade, - parece dizer - sois livres.

- Não foi avante o chip nas matrículas porque alguém, na loucura do seu juízo, defendeu que isso seria uma intromissão na liberdade mais básica e que, assim, poderia saber-se precisamente onde estava àquela hora x.
Mas com os pagamentos indevidos (abusivos) das ex-scut (até familiaridade atribuímos a isto...), sabem quando e onde entras, têm radares para saberem onde vais, calcular a tua média de velocidade e aplicar-te multas se vieres com essas histórias de que: a) não eras tu que ia naquele carro; b) o teu carro estava a ser rebocado; c) (inventem)

- No sistema perfeito, os beneficiários das decisões não correspondem aos que sofrem os efeitos negativos destas: as barragens expulsam populações e destroem espaços, memórias e vida? Tanto se lhes dá: o dinheirinho que vão ganhar com a electricidade que vais consumir, com os "postos de trabalho" que vão criar.... (Onde é que já se viu isto, ganhar dinheiro com a criação de postos de trabalho? Ah, quando quem os cria explora aqueles "coloboradores"...)

- No sistema perfeito aceitamos correr o risco de uma... de todas as explosões nucleares que venha a haver - quem decide que vale a pena não é quem as quer (às centrais nucleares, à energia destruidora, à - óbvio - fuga radioactiva) e quem terá de morrer por elas. Porque no sistema perfeito, a decisão não está nas mãos de quem sofre com as decisões. Já viram o que era se fosse ao contrário? Assim não podia ser e este é o sistema perfeito...

- No sistema perfeito aumentam-se os preços dos produtos locais, destrói-se a produção local, importam-se produtos de muuuuito longe, que ainda por cima são bem mais baratos e dá muito jeito com tanto custo de vida. Quem fica a ganhar são os transportadores e as petrolíferas, requeridos sine qua non.

- No sistema perfeito, esses países exportadores de produtos de mau pagamento pelo seu trabalho, esforço e vidas nem podem piar, pois tudo depende dos distribuidores mundiais, que estabelecem os preços... E.... mais vale mal pago que retirarem-nos a miséria que nos pagam pelo que produzimos.

- No sistema perfeito, transportes, meios de comunicação, energias, governos, escolas, drogas e fugas, curas e doenças pertencem a mãos familiares e seguras, onde não se correm riscos de se tomarem decisões que podem deitar tudo a perder ou à desvalorização das acções ("O país x "desvalorizou" hoje x por cento e os "mercados" estão a reagir... blá blá blá.")
("Não sabes gerir um país, seu estúpido! Eu disse que era nesta tecla, não naquela! Em que universidade é que tiraste o curso?")

- No sistema perfeito, criam-se exércitos de excedentários e de resignados que estarão dispostos a tudo para sobreviver. Porque no sistema perfeito não é descurado o instinto de sobrevivência: o homem reduzido à sua essência orgânica, desindivudualizado, des-socializado, etc. HOMEM?
(Animal.)

- No sistema perfeito, os não-consumidores são abandonados ("Eu compro, logo existo") em lares e casas vazias, longe dos olhares que vêem e só querem ver que tudo está bem e que o futuro está a ser acautelado em caixas de aforro e filhos que crescem depois de os irmos buscar à escola com engarrafamentos à porta e miúdos desesperados ao telemóvel.

- No sistema perfeito, os direitos são uma submissão: "Temos direito a..." Sim, mas se temos direito a, quer dizer que alguém, superior, está lá para no-los conceder ou consentir. No sistema perfeito, mesmo na luta pela dignidade estamos a perdê-la.

- No sistema perfeito, ensinam-nos a dependermos das tecnologias, desde o berço até à cova. Porque no sistema perfeito, toda a tecnologia está ligada a computadores centrais que não estão nas nossas mãos e que, caso nos revoltemos contra a máquina, poderão ser desligados e transtornar a vida "tal como a conhecemos. E nós não queremos isso, pois não?"

- No sistema perfeito, qualquer tentativa de denegrir ou atacar o funcionamento do sistema, que é perfeito, será neutralizada mediante o apagamento, a desmemória, a confusão e a morte dos inimigos do sistema perfeito.

- No sistema perfeito, as canções que se ouvem e os textos que se lêem para preencher as frinchas do tempo em que pudermos estar a pensar no sistema e em nós nele são inócuas, insípidas, insensibilizadoras, inodoras e insossas. São folhas brancas que não escrevem nada nem deixam escrever: porque são perfeitas e feitas à imagem e semelhança do sistema, perfeito também.

- No sistema perfeito, as vozes só podem crescer mediante amplificadores que não pertencem às vozes que querem falar.

- No sistema perfeito, nós não lemos, nós não escrevemos, nós não pensamos, nós não entendemos, nós não contestamos isto mesmo que estamos a ler. Porque no sistema perfeito, isto que estivermos a ler, está escrito num meio que não nos pertence mediante caracteres e ideias com ideias que não se coadunam (por isso são ininteligíveis) com tudo o que todos os dias nos ensinam a todos.

E porque felizmente vivemos no sistema perfeito, isto vai ser apagado não tarda muito ou não vai ser apagado de todo: o sistema é que decide o que é melhor para ele e para nós.

Amén, Perfeitismo.

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