Afinal, "Para que serve a Arquitectura?"

Decorreu recentemente, entre o dia 12 e 13 de Outubro em Guimarães, o seminário “Para que serve a Arquitectura?” organizado conjuntamente pela Dafne Editora e Departamento Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho.

Das oito apresentações realizadas quero realçar apenas duas: a do Arq. José António Bandeirinha e a do Arq. José Mateus da ARX Portugal. A minha escolha reflecte-se não só pelas obras e ideias apresentadas por estes autores mas também pelas questões que foram levantadas durante os respectivos debates.

Relativamente à primeira, a apresentação do Arq. José António Bandeirinha, no qual nos colocou a seguinte pergunta: “Poderá a Arquitectura servir para justificar as funções às quais se dedica?”
Para se justificar este autor mostra-nos como exemplo a função carcerária. Após uma breve e detalhada descrição histórica desta em Portugal, dá-nos o exemplo da Cadeia Penitenciária de Coimbra, ou Estabelecimento Prisional Central de Coimbra, ou Estabelecimento Prisional Regional de Coimbra, conforme a época.

A sua inquietação sobre este assunto parte do anúncio da construção de uma nova prisão de alta segurança nos arredores de Coimbra substituindo a actual, e afirma:
“Em 2005, o Ministério da Justiça celebra um protocolo com a Câmara Municipal de Coimbra de acordo com o qual se propõe edificar uma prisão de alta segurança na periferia da cidade, deixando assim livre o terreno da Penitenciária actual para acolher diversas propostas de programa. Estacionamento, habitação, escritórios e comércio são dados fixos da futura utilização do espaço. Centro Cultural, arquivo ou Biblioteca da Universidade são propostas que estão ainda em debate.
Para concluir, e partindo destas duas reflexões críticas acerca dos programas da Arquitectura, referentes a outros tantos textos que escrevi, que glosar o mote para o qual fui desafiado. Desviar, com um golpe, a pergunta “Para que serve a Arquitectura?”, e ripostar com uma outra pergunta: Poderá a arquitectura servir para justificar as actividades às quais se dedica?”

Posto isto, interroga a plateia se deverá ser esta a decisão a tomar, o caminho a seguir? Devemos marginalizar a prisão com todos os seus aspectos arquitectónicos? Lembro “que não foi a prisão a ir de encontro com a cidade mas sim a cidade a chegar à prisão”. E com isto, será que a Prisão não pertence à cidade?

Ora de facto, parece-me uma questão realmente discutível sob o ponto vista da sustentabilidade da própria cidade de Coimbra.
Por um lado, se considerarmos a prisão como um equipamento público citadino, com todo o seu esplendor arquitectónico que marca uma época, este não deverá ser marginalizado mas sim integrado na malha urbana. Ao mesmo tempo, por uma questão social e de apoio às famílias dos prisioneiros esta deve-se encontrar na cidade (melhor acessibilidade, próxima dos principais equipamentos judiciais e sociais).

Mas, por outro lado, a prisão tem características e funções específicas: para além da função carcerária, esta deve salvaguardar a segurança das populações, etc. Encontrando-se no centro da cidade, esta pode por em causa as funções às quais se dedica. Além disso, ninguém quererá viver ou abrir comércio próximo de uma prisão. E se pensarmos numa evasão de um prisioneiro? De que forma os guardas prisionais asseguram a segurança da cidade e das populações?

Hoje, cada vez mais os nossos arquitectos projectam condomínios privados nos arredores das nossas cidades devido ao aumento dos níveis de insegurança verificados nos meios urbanos, e também, é bem verdade, devido à política agressiva de marketing/venda destes. Porque não construir também uma prisão (que não deixa de ser um condomínio fechado) de alta segurança com todas as condições de segurança, higiene e habitabilidade, nos arredores da cidade de Coimbra? Livre dos congestionamentos citadinos. Só porque a sua localização será nos arredores da cidade, a prisão será marginalizada?

E quando os arquitectos sempre afirmam que: “A Arquitectura é um acto de reciclagem”, porque não reciclar o edifício da Penitenciária de Coimbra? Porque não transferir-lhe outro valor e função dentro da cidade? Já se fala num Centro Cultural, numa Biblioteca. Ora, parece-me que a função cultural é uma função citadina mais sustentável para aquela área da cidade.

Após as apresentações de Gonçalo Byrne e José António Bandeirinha, a mesa redonda para debate foi composta pelos seguintes oradores:
Maria Manuel Oliveira (Moderadora)
André Fontes
Diogo Seixas Lopes
Pedro Bandeira

Relativamente à segunda apresentação, a do Arq. José Mateus da ARX Portugal, pela lista de projectos arquitectónicos que apresentou foi a intervenção que se tornou mais polémica não só para a mesa de debate, que foi bastante crítica em relação às propostas deste arquitecto, como para a plateia.

Passo a enumerar os projectos apresentados com assinatura da ARX Portugal:
- Museu Marítimo de Ílhavo;
- House in Ericeira;
- Centro Regional de Sangue – Porto;
- Biblioteca Pública de Ílhavo;
- Metropolis;
- Edifício IMOCOM
(Lisboa), ainda em fase de proposta.

Resumindo cada um deles, de uma forma breve, de acordo com o que foi lançado para debate e de acordo com a minha opinião, todas as propostas apresentadas são, de facto, bastante controversas, sob o ponto vista da arquitectura em si, como sob o ponto vista pouco humano da arquitectura. O que quero dizer com isto? Passo a realçar alguns exemplos.

- Museu Marítimo de Ílhavo: o arquitecto mostra-nos uma série de fotos do antes e depois da intervenção e conforme decorre o discurso, parece-me que as palavras fogem-lhe para a verdade, e não dá conta que se está a tornar “arrogante”. E aqui, não estou a chamar-lhe arrogante, mas sim adjectivar a sua arquitectura de arrogante. Porquê? A certa altura, mostra-nos uma foto das traseiras do edifício vandalizada com graffitis e outras coisas mais, e diz-nos ele quando nos mostra a foto após a intervenção: como vêem para resolver aquele problema do vandalismo construímos este muro alto, ao mesmo tempo serve de tampão para as más construções arredores. Posto isto, pergunto se é para isto que serve a Arquitectura?

- Casa na Ericeira: Uma casa de sonho com uma paisagem de sonho e que é afinal uma realidade, pois esta casa existe mesmo! O projecto resume-se ao virar de costas da casa à aldeia e apenas se abre para contemplar a paisagem de campos vinícolas sem fim. O próprio arquitecto afirma que projectou a pensar nisso. Área nobres (sala de estar, o quarto principal) com enormes janelas e varandas para contemplar paisagem, enquanto que as restantes áreas da habitação estão do outro lado (na traseira), viradas para a aldeia. Uma arquitectura que vive por si e em si. Será egocentrismo do arquitecto? Posto isto, pergunto se é para isto que serve a Arquitectura?

in habitarportugal.arquitectos.pt- Centro Regional do Sangue (Porto): Novamente a questão do que é bonito e do que é feio se levantou aqui. A certa altura o Arq. José Mateus mostra-nos algumas fotos anteriores à intervenção. Todas elas a realçar o caracter do bairro degradado dos arredores da área de intervenção. Apelidou mesmo de área feia. O que fez ele para resolver e minimizar o impacto do edifício projectado por si na área envolvente? Construiu um muro alto em redor e plantou uma vinha e plantas de cor vermelha (para dar ideia de sangue) e sei lá mais o quê para minimizar o impacto da envolvente no seu edifício. Não devíamos pensar ao contrário? Não será o novo edifício a criar o impacto? Posto isto, pergunto se é para isto que serve a Arquitectura?

in habitarportugal.arquitectos.pt- Biblioteca Pública de Ílhavo: Novamente o "tentar esconder a realidade" por parte do arquitecto se verifica neste projecto. Neste, até desenhou uma janela virada não para contemplar paisagem (que é "feia") mas para a própria parede branca do seu edifício. Como a paisagem não é atraente com este desenho poderemos atingir um reflexo de luz para iluminar a sala de leitura (afirmou algo parecido). Para mim, se me encontrasse naquela sala, ao concentrar o meu olhar no exterior, acho que "ficava com uma branca" e abandonava a sala. E novamente encontrou como solução a construção de muros altos para resolver a questão dá "má urbanização" existente nos arredores. Posto isto, pergunto se é para isto que serve a Arquitectura?

Após as apresentações de José Mateus (ARX Portugal) e André Tavares, a mesa redonda para debate foi composta pelos seguintes oradores:
Marta Labastida (Moderadora)
Sérgio Fernandez: “A Arquitectura é uma actividade artística”
Aurora Carapinha (U.Évora): “A paisagem é uma arquitectura”
Nuno Grande: “Imaginem 22 mil ou 22 milhões de casas de Souto Moura?” (referindo-se aos lançamento do livro “As 22 casas de Souto Moura”)
Paulo Varela Gomes (U. Coimbra): “Os arquitectos não deviam falar”


O restante programa decorreu assim:

DIA 13 - Manhã
APRESENTAÇÕES
Álvaro Siza
Pedro Gadanho

DEBATE
Jorge Correia (Moderador)
Pedro Maurício Borges
Álvaro Domingues (U. Porto)
Ana Vaz Milheiro (U. Évora)
Eduardo Souto Moura

DIA 13 - Tarde
APRESENTAÇÕES
Nuno Brandão Costa
José Capela

DEBATE
Francisco Ferreira (Moderador)
Filipa Guerreiro
João Afonso
Paulo Martins Barata
Domingos Tavares

ENCERRAMENTO
Paulo Mendonça

Comentários

Organdi disse…
Eis uma novidade na arquitectura •• construçâo com betâo ductil sem necessidade de ferragens
de armaçâo do concreto- uma tribuna para campo de desportos moldado na obra


Elie Sindicic

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